27 de março de 2010

O "Dia do Estudante" 48 Anos Depois

Quarta-feira foi dia de luta estudantil. Os alunos do Ensino Secundário e do Ensino Superior saíram à rua, mais uma vez, e assim mostraram o seu desagrado para com as actuais políticas educativas que o governo PS tem vindo a desenvolver e a abraçar nestes últimos quatro anos e meio.
Contam-se como reivindicações: o fim das propinas, a restruturação responsável e inteligente do famoso Processo de Bolonha, uma Acção Social Escolar decente e dedicada a abrir portas a todos e para todos, a alteração dos regimes jurídicos e de gestão escolar nos quais os alunos têm vindo a perder gradualmente a voz e a possibilidade de intervenção e, por fim, a anulação dos interesses monetários e capitais que arrastam lentamente o Ensino Superior para um emaranhado de burocracias e privatizações que irão, da forma mais seca possível, transformar a educação não num direito garantido, mas num qualquer outro sector empresarial e de aposta corporativa.
É difícil estudar assim. Aliás, deixem-me corrigir: é difícil querer estudar assim. É difícil pensar que tenho o meu curso garantido e que depende de mim e apenas da minha vontade, do meu esforço, acabá-lo no mínimo tempo possível e saber, simultaneamente, que tantos outros jovens neste país vão de braços caídos e com conhecimentos mínimos às costas para um mercado de trabalho que os despreza e explora desde o primeiro segundo de expediente. Assim custa. O Mundo não vive de salvadores ou de boas acções, não nos iludamos. Mas, e digo-o em tom de desespero, não pode continuar a viver destes individualismos.
Fui, desta vez, e em tom de excepção, um outsider entre os meus colegas e camaradas de luta. Enquanto se gritava alto e bom som, as palavras de ordem do costume, e outras um quanto mais elaboradas e improvisadas, eu ia correndo de um lado para o outro a tentar entrevistar alguém que me dissesse um pouco mais sobre o que ali se passava. Mas eu já sabia, não precisava de mais opiniões. Eu mesmo estava ali a defender os meus direitos. Eu mesmo havia distribuído dezenas de documentos informativos por toda a minha universidade. Eu mesmo tenho sofrido na pele com toda esta "brilhante" desresponsabilização governamental, que, no final, deixa sempre as culpas morrerem solteiras ou nos ombros dos menos espadaúdos, que somos nós, pequenos estudantes. Não gostei da sensação de me estar quase que a infiltrar naquela manifestação, na minha manifestação. Pergunto-me: "Até que ponto me levarás tu, imparcialidade?"
As cordas vocais queriam expulsar toda esta frustração, os braços queriam elevar-se bem no ar para que ninguém os visse no meio de tantas pessoas, no meio de tantos lutadores, e o meu coração, a porra deste meu pequeno coração, queria saltar do peito e agredir veemente todas as barreiras que me têm colocado neste percurso em direcção ao futuro, ao que quero ser e, contrastando, àquilo que "eles" querem que eu seja. Ele queria lutar por mim e por todos nós. Mas o "nós" nunca esteve tão desmembrado como hoje.
No (ultra)passado dia 24 de Março de 1962 os estudantes do Ensino Superior juntaram-se e batalharam, literalmente, por aquilo em que acreditavam. Nunca a Cidade Universitária conheceu cenário tão negro e triste como aquele dia, em que jovens foram presos, espancados e, contam os acertados boatos, mortos pela "grandíssima" polícia de então. Eles queriam igualdade, queriam um ensino para todos, sem olhar a credos, religiões, raças, nacionalidades ou condições socio-económicas. Muita coisa queriam eles e acabaram foi por conhecer o "xadrez" da esquadra mais próxima, lá para os lados de Alvalade, julgo. A sede da PIDE foi a paragem seguinte. Interessante como nada conseguiram, mas mesmo assim, ainda hoje perpetuamos nestes ridículos tempos de apatia a sua memória e a sua coragem.
Agora não. Agora saímos à rua e levantamos a voz em protesto de melhorias, de restruturações e, mesmo assim, grande parte de nós acaba por nem sair. O conforto sabe-nos tão bem e enquanto o mal maior não nos atingir há muito espaço de manobra para contornar as divisas do bom senso e deixar os protestos e as reivindicações para os outros, para os desgraçados. Já ouvi, inclusive, algo tão belo como: "Acabar com as propinas?! Façam isso e levamos logo com a "xungaria" toda!" Pergunto-me se não levamos já...
Tenham juízo, baixem a cabeça, boquinha calada e acabem o curso. Mas amanhã não se queixem...

Deixo, em tom de despedida, um agradecimento especial à fotógrafa com os olhos mais bonitos no ramo.
As fotos são dela, Ana Rita Bernardo. Eu não faço destas coisas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Outsider, gostei.
Deve ter sido dificil sim, mas foi um treino e uma preparação para situações futuras. O nosso papel é o de simples observadores, enquanto jornalistas não podemos ter opinião a menos que esta nos seja pedida, apenas devemos veincular a informação, torna-la acessível a todos.
E era isto que também se deveria fazer para o ensino superior. Acabar com as propinas assim, talvez seja impossível, dado que traria ainda mais prejuizo a uma economia que já se encontra presentemente debilitada. Mas não devem ser os estudantes a pagar por isto, sendo que, reduzir o custo das ditas cujas já as tornaria acessíveis a muitos individuos. Porque o ensino superior não é um ensino para as elites, é um ensino para formar todos aqueles que assim o desejarem e que tenham como objectivo ascender e seguir determinada carreira.
E se calhar, quase de certeza, muita gente que não tem posses aproveitaria melhor a oportunidade do que muitos dos que têm posses e lá andam a "pastar". Mas isso já é outra história..

O bonito da coisa ainda é, lá está, honrar e homenagear o gesto e as acções daqueles que há 48 anos sofreram por uma causa, pela igualdade.
E concluo agradecendo..hum..fiquei sem jeito agora, não se faz!

Ana Teixeira disse...

mais um grande post :)
gosto especialmente do agradecimento à fotógrafa com os olhos mais bonitos do ramo, gosto sim :D
beijinho grande*
Ana teixeira :)