18 de dezembro de 2013

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PAOK. É essa a sigla pela qual responde o Panthessalonikeios Athlitikos Omilos Konstantinoupoliton. Não deixando que o supracitado e deliciosamente pronunciável nome nos distraia, é esse o adversário que será servido ao Benfica como appetizer nesta nova caminhada, de faca e garfo, pela Liga Europa. Falta saber se seremos capazes de, em semelhança ao ano passado, chamar “petisco” a todos os emblemas que pela frente nos forem aparecendo. Se dúvidas há, é porque as recentes exibições caseiras vão até agora sabendo a pouco – ou a fuckin’ shit, se formos o Gordon Ramsay e estivermos a falar dos confrontos contra Arouca e Olhanense.

Vale a pena reflectir sobre o que tem falhado? Ou é chover sobre o molhado? Cagar o babete com ainda mais lágrimas e ranho? Já não há serviço de limpeza que nos safe. Nem equipa de desratização que nos valha em tamanho desacerto. Porque quando os tachos, as frigideiras, as facas, os aventais e os serviços de mesa não mudam e o restaurante continua a servir “merdinha”…das duas, uma: ou vem a ASAE e dá a machadada final ou o dono tem o bom senso de não fazer mais ninguém passar a noite junto à sanita. Ou ainda, se quiserem incluir a instituição Sport Lisboa e Benfica na metáfora em causa, inventa-se uma terceira via que se limita a fechar os olhos a toda a matéria fecal que se vai produzindo, reproduzindo e arrastando em campo. Como se, mais tarde ou mais cedo, milhões de fine diners (aka adeptos encarnados espalhados pelo mundo fora) não deixassem de molhar o pão na sua sopinha quando as águias jogam. Trocando por miúdos: esperem a contínua descida de venda de bilhetes tanto em casa como fora e, com ou sem truques de bastidores – ver o artigo do Francisco Vaz de Miranda –, esperem também que a Benfica TV perca terreno para a anteriormente odiada Sport TV. Neste momento? Neste momento eu até mais rápido via o Clube Desportivo Palhavã a dar tareia no Sporting na final da Taça de Honra da Associação de Futebol de Lisboa…na RTP Memória…em 1917! É que este Benfica é tão mau que deu toda uma outra dimensão e força à expressão “muda mas é para a bola”. Façam antes outra coisa: mudem mesmo. Por inteiro.

Enzo Pérez, um dos poucos com direito a sofrer in emjogo.blogs.sapo.pt
A gestão deste meu clube é pior do que a de qualquer restaurante que tenha passado pelo “Kitchen Nightmares”. Valha-nos a Bolsa. Mas a Bolsa não controla um passivo que se arranja e desarranja com a entrada de 22 jogadores em Agosto. Deve ser do calor. E quem saiu para equilibrar as contas? Essa é a melhor parte: Hugo Vieira – o “talento indispensável” que durou época e meia e jogou meia-dúzia de jogos –, Luisinho – coitado que nem teve tempo de conhecer o estádio por inteiro –, Rodrigo Mora – ainda cá andava este?! –, Roderick Miranda – só mesmo para o Kelvin dormir ainda mais contente todas as noites aos pés do Pinto da Costa –, Shaffer – nem comento –, Nolito – és tão inteligente, mister… – e Miguel Vítor, entre outros. Vou optar por nem tecer mais considerações porque para benfiquista desiludido e com temor, meio conjunto de maus jogadores basta.

Aproveitemos então a referência a Miguel Vítor e falemos daquele que será o adversário dos encarnados na Europa: os gregos que habitam em Salónica, na Toumba – nome do seu estádio. Gregos esses que hoje contam com o nosso antigo defesa centro. Defesa esse que, em 27 jogos disputados em todas as competições, entrou num total de 20. E fez ainda 5 golos. Um pouco à frente do português anda normalmente o inesquecível Kostas Katsouranis, que fez 23 jogos e apontou dois tentos. Ora, a primeira pergunta é simples: daqui a umas boas semanas voltamos a cortar os nossos próprios dedos na deslocação à Grécia ou seremos finalmente capazes de pôr a cereja no topo do (sensaborão) bolo? A segunda é preocupante: papamos ou não papamos um clube que não tem sequer hipóteses de ser campeão no seu país? A terceira pode levar à loucura: levamos ou não levamos de/na bandeja uma formação que tem como titulares dois antigos jogadores que o Benfica não teve propriamente grande dificuldade em ver partir?

Sentem-se. A comida está servida.

Artigo presente no sítio de desporto online

4 de dezembro de 2013

O que ainda há de campeonato

O povo português apreciador de futebol tem um hábito, de há uns anos para cá, um tanto ou nada – como hei-de dizer?… – irritante: ainda o campeonato não vai a meio e já clube x ou y – ou se preferirem FCPorto ou SLBenfica – tem legitimidade para encomendar as belas das faixas de campeão. Isto deve-se a um fenómeno muito actual e específico que consiste em observar a disparidade da qualidade entre os dois anteriormente referidos clubes e os restantes que também participam do Campeonato Português. E sim, é exactamente essa a expressão a utilizar: “restantes clubes que também participam”. Ora, é que, e como dizia Rui Alves, Presidente do Nacional, em entrevista à RTP Informação – e por alto tento repercutir as suas palavras –, o que deveria interessar aos altos dirigentes nacionais era tornar o futebol português num futebol mais uno, mais coeso, mais bonito e mais profissional. Porque não é por aí que Benfica, Porto ou – olhando para o panorama actual – Sporting perdem espaço. É, sim, por aí que o ganham. Ganham em competição, ganham em menos “autocarros” em frente à baliza, ganham em jogos disputados do primeiro ao último minuto. Ganham com o facto de os outros não se limitarem a participar, mas também a encantar e a disputar lugares cimeiros – quem não gostou de ver o Paços de Ferreira e o Estoril no ano passado?! E pode até ser que, assim, Portugal vá à Europa…e por lá fique, caramba! É que neste momento quem na Liga Europa está, de lá sairá. E quem na Liga dos Campeões está, para a Liga Europa passará! Mas enfim. Vamos ao que interessa.

A bem ou a mal, o Benfica está em primeiro lugar. Juntamente com o Sporting, sim. E a apenas dois pontos do Porto. Tudo bem. Estamos no caminho certo. É saber não tropeçar. E a verdade é esta: a primeira metade do campeonato está praticamente fechada. Com o Benfica ainda vivinho da silva. Com Jorge Jesus a ganhar jogos a pontapé – ainda que com dúbia qualidade – e sem sequer se sentar no banco de suplentes. O que é que está mal então? Não foi assim que o Porto meteu no bolso os dois últimos campeonatos? Tudo bem, nem uma única derrota acrescentaram às contas. Mas o Benfica também só tem uma: primeiro jogo, única falha. Contra o Marítimo. Que está a fazer uma época relativamente desastrosa. Se temos desculpa? Não, não temos. Mas há alguém a praticar melhor futebol do que nós? Há alguma equipa neste campeonato com um plantel tão preenchido como o nosso? Com as opções de qualidade que nós temos? Com a experiência e com o alinhamento táctico que temos vindo a cultivar há já dois, três anos? Não. Para todas as anteriores perguntas. E até acabarmos a primeira volta do campeonato, só temos um verdadeiro quebra-cabeças para solucionar: o Porto. Com a benesse de que os receberemos em nossa casa. E em nossa casa mandamos nós. Chega de facilitismos. Este é o campeonato do bate-pé. E não deixamos de bater o nosso até conquistarmos o que nosso é.

Olhando para o que ainda aí vem, vemos que temos dois jogos contra dois dos três últimos classificados da tabela (Arouca – em casa – e Olhanense – fora). Depois vamos à margem sul enfrentar o Setúbal, clube que ocupa a 12ª posição, mas que, apesar de tudo, já não perde há dois meses (sendo que aí se deixou vergar perante o Sporting num desastroso 0-4). A fechar, as duas cerejas no topo do bolo: primeiro o Gil Vicente, clube revelação deste ano, e depois o clube que todos vêm pondo em causa: o Porto. Ambos os confrontos em casa.

Ainda que longe, é preciso acreditar in bem-me-quer-benfica.blogspot.com
Optando por não me tornar no tal povo irritante que já é campeão ainda antes de o Inverno se começar a sentir realmente frio, aconselho como prevenção para tal maleita altas doses de calma, serenidade, concentração e preocupação com o nosso percurso. Os outros preocupar-se-ão com o deles. Isto com ou sem tochas à mistura, claro. E já agora, minha família benfiquista: não é por estarmos em primeiro (finalmente)… mas se nem nós acreditamos, quem vai acreditar? O Benfica precisa de nós. Talvez seja desta que o futuro se augure mais brilhante. Afinal, Jesus até já sabe jogar com dois esquemas tácticos. E ambos dão vitórias.

Artigo presente no sítio de desporto online

28 de novembro de 2013

O novo “Poker” da Land Rover

Sonha-se com mais um ano em grande. Porque é também em grande que a marca (originariamente) britânica pensa e constrói. São muitas as toneladas a que já habituou os seus entusiastas e em 2014 esperam-se muitas mais, mas na forma de novas tecnologias e detalhes de construção. Sem descurar a portentosa – mas pouco evolutiva – imagem que sempre distinguiu e distingue os já mais de 65 anos da marca.


Uma apresentação feita em dois dias, ao longo das estradas de três países – Suíça, França e Alemanha –, com o objetivo de conhecer os quatro modelos que marcarão o ano vindouro. Como que brincando com os números, a Land Rover fez all in e revelou a sua mão: o reformulado Sport com um 4,4 V8 Diesel; o novo Evoque com caixa automática de 9 velocidades; o Hybrid, primeiro híbrido construído pela marca e com uns entusiasmantes 340 cv; e, para os mais nostálgicos, o acarinhado Discovery com um novo motor V6 a gasolina.

O Range Rover Sport é considerado, entre todo o espólio, como o turbo diesel da performance e da facilidade de condução, independentemente das condições – com direito a uma potência máxima de 339 cv e um binário de 700 N.m. Nas mãos sente-se a sua adaptabilidade a todo o tipo de troços e a jovialidade com que os percorre. É o tipo de veículo que define a diferença entre o prazer de conduzir e a necessidade de o fazer, tendo a brilhante capacidade de conjugar ambos os conceitos.

Equipado com uma caixa automática ZF de 8 velocidades, este SDV8 consegue ir dos 0 aos 100 em 6,9 segundos e atingir uma velocidade máxima de 225 km/h. Construído com alumínio de peso reduzido – o que lhe vale uns elegantes 2400 kg – e equipado com os maiores trunfos tecnológicos no que à segurança e ao conforto diz respeito, o Sport vem definir a linha de construção da marca. Em si concentra todas as mais novas tecnologias de auxílio à condução, como seja o caso do “Reconhecimento de Sinais de Trânsito” que, por exemplo, alerta o condutor para o impedimento de ultrapassar em determinados locais; do “Aviso de Saída de Via”, que aciona uma vibração no volante quando o condutor transpõe os limites da via onde segue; do “Estacionamento Perpendicular”, que especifica se o espaço escolhido é suficientemente amplo para a manobra antes de direcionar o veículo para o mesmo; da “Deteção de Trânsito em Marcha Atrás”, que impede colisões aquando da saída de um lugar de estacionamento; e do “Sensor de Passagem a Vau”, um preferido dos aventureiros, que utiliza sensores colocados nos espelhos exteriores para medir a altura da água quando se atravessa um lago ou riacho.

Para os interessados, os preços em Portugal vão dos 88 aos 150 mil euros, conforme o motor e o estilo escolhido para os interiores. E é aí que tudo ganha mais interesse, graças ao novo Pack Black Design. Este pack encontra-se disponível nos modelos Vogue e Autobiography e incorpora um conjunto de componentes com acabamento Gloss Black. Há alterações para todos os gostos e vão desde o logótipo Range Rover no capot e tampa da bagageira, passando pela grelha dianteira e pelos puxadores exteriores, às (imagine-se!) porcas das jantes – entre outras. Essas mesmas jantes não escaparam a esta tendência personalizável e podem agora ser encomendadas com um novo acabamento e em dois possíveis tamanhos: 21 ou 22 polegadas. No habitáculo germinaram, à semelhança dos campos por onde este Range Rover gosta de passear, algumas novidades e é agora possível ajustar eletricamente a secção superior dos bancos dianteiros, aquecer todos os lugares quando se começa a sentir o frio do inverno e ver um filme relaxadamente, tanto atrás, com os ecrãs opcionais de 10,2 polegadas, como à frente, no ecrã do computador de bordo que consegue criar, com uma tecnologia de tipo dual display, uma imagem para o condutor – que não pode ver conteúdos media enquanto conduz – e outra para o seu acompanhante – que, tal como os passageiros que circulam atrás, tem todo o direito ao entretenimento.

A nona potência do Evoque
Percorrer montanhas, descer desfiladeiros e enfrentar descidas enlameadas é o seu programa para os fins de semana? Mas continua a ser um simples ser humano, com um trabalho das 9h às 18h, uma família e uma casa nos subúrbios? É que a Land Rover aperfeiçoou o veículo já perfeito para si. O Evoque, um dos veículos da marca com mais sucesso de sempre – com mais de 170 mil vendas em apenas 18 meses –, tem hoje um novo e melhorado design, tanto no exterior como no interior, uma “Transmissão Integral Ativa” – só disponível na versão a gasolina –, que permite a ligação automática do sistema de tração integral sempre que o mesmo for necessário, e sete novas funcionalidades de auxílio à condução – as mesmas que o Range Rover Sport. Para além disso, traz ainda consigo melhorias capazes de reduzir o consumo de combustível em até 11,4 por cento e as emissões de CO2 em até 9,5 por cento.

Com um conceito urbano empolgante aliado a uma quase necessidade de aventura, este novo Evoque vem de cara lavada, ainda que sejam muitas as poças por onde o vai querer “passear”. Na versão a gasolina, a forma como liga os seus 240 cv às rodas é estonteante e roça a perfeição. Tudo fruto da famosa caixa de nove velocidades – a primeira instalada num veículo de passageiros – que se adapta rapidamente ao estilo de condução, sem nunca deixar de exigir ao motor o máximo, graças a uma troca perfeita e eficiente entre mudanças. É na altura das ultrapassagens que tal se torna evidente (e indispensável) com transições de caixa instantâneas e em kick-down. A Transmissão Integral Ativa incorpora também a tecnologia e-Diff que distribui o binário entre as rodas traseiras, otimizando a tração e estabilidade.

Este colosso tecnológico vem disponível com dois motores a diesel – os já conhecidos 2.2, um com 150 cv e o outro com 190 cv – e um a gasolina – 2.0 turbo de 240 cv. A nível de equipamentos são quatro as escolhas possíveis – Pure, Pure Tech, Dynamic e Prestige, por ordem de luxos. Depois é optar pela versão cinco portas ou coupé, sendo que só as variantes a diesel disponibilizam transmissão automática ou manual. A baliza de preços vai dos 44 aos 65 mil euros.
 
Híbrido para todo o lado
Cedo se aprende que misturar água e eletricidade não traz os melhores resultados. Acrescente-se ainda buracos, terra, pedras e, por todo o lado, subidas e descidas ímpias e comprove-se, da melhor forma possível, que o novo Range Rover Hybrid é capaz de as enfrentar da mesma forma que os seus “familiares” na Land Rover o fazem. Ou ainda com melhores resultados. Foi assim que o primeiro SUV premium híbrido diesel do mundo ao mundo se apresentou. Com direito a tira-teimas off-terrain nas florestas francesas, houve tempo para tudo: subir e descer colinas enlameadas, trepar por entre pedras e árvores mortas, transpor troços com inclinações laterais de mais de 30º graus e ainda atravessar ribeiros onde a altura da água ultrapassava a cintura de qualquer indivíduo de estatura média. E a verdade é que o Hybrid se portou à altura, com os controlos de tração ativos, as câmaras e os sensores que rodeiam todo o chassi ligados e com um aumento na altura do veículo, de forma a controlar saudavelmente o movimento e a flexibilidade do eixo frontal e traseiro. Prova ultrapassada sem um único arranhão. Complicado foi remover a lama das jantes de 22 polegadas.

O sistema de propulsão deste novo Range Rover incorpora quatro modos selecionáveis pelo condutor – EV Mode, EV Mode Off, Sport Mode e Auto Stop-Start Off –, e conjuga o popular motor de 3 litros SDV6 diesel com um motor elétrico de 35 kW (48 cv) integrado na caixa automática ZF de oito velocidades. É possível portanto oscilar entre condução a combustível e condução a “energia limpa”, se bem que, na realidade, o modo EV, que permite conduzir o veículo exclusivamente com propulsão elétrica, obriga à anulação de quase todas as features do veículo - ar condicionado, monitores na cabeça dos assentos da frente, utilização completa das funcionalidade do computador de bordo – para que possa funcionar...durante escassos minutos.


É no fundo um bom projeto. Mas ainda um projeto. O futuro trará melhorias neste inovador sistema híbrido. Ainda assim, é um veículo que vale por toda a sua multidisciplinaridade. E vale uns respeitosos 142 mil euros.

Discovery mais simples
Para muitos, o melhor ficou para o fim: o Discovery 4 3.0 SDV6. Ficou também aquela que poderá ser a única desilusão do grupo: é que as alterações e melhorias são escassas e cingem-se, na sua maioria, ao design e à construção dos componentes exteriores. Quis a marca britânica que este galardoado ganhasse também uma identidade própria. Retiraram assim o nome “Land Rover” do capot e substituíram-no por “Discovery”. Mas é preciso mais do que isso. A única diferença que vale a pena assinalar deste para o modelo passado é a possibilidade de optar entre duas versões de tração às quatro rodas: ou com a nova caixa de transferência de velocidade única ou com a caixa de transferência de dupla velocidade. Os tipos de motor são dois: SDV6 e TDV6. O primeiro com 211 cv e o segundo com 255 cv, ambos com uma velocidade máxima de 180 km/h e a chegarem aos 100 km/h em 10,7 e 9,3 segundos respetivamente. Os preços vão dos 74 aos 93 mil euros.
Artigo presente na edição de 27 de Novembro do semanário AutoSport

26 de novembro de 2013

Escrever por linhas direitas

Hoje por acaso até dormi bem. Coisa que já não acontecia há umas semanas. Por motivos que para aqui não são chamados e por outros tantos que chamados para aqui não são. Interessa só e somente descortinar a piada cósmica e intrinsecamente cínica que é a nossa vivência térrea. Pois que se dormi bem, mal acordei deram-me os tremores. Sem motivo aparente. Avizinhar-se-á um mau dia?

Não. Nem por isso. Simplesmente o coração não esquece. E há sempre uma parte qualquer profunda no nosso âmago que adormecida nos acorda e nos relembra dos calafrios de outrora. Dos fantasmas que nos assombram as memórias, dos sorrisos que nos roubaram e das lágrimas que em nós despertaram. Assim despertei também. Com a indecisa certeza de que algo não batia bem.

E não batia mesmo. Por sete vezes. De sete vilipendiadas maneiras. Atingindo sete antigas chagas. De um coração recuperado, mas que ainda sofre. O dia foi o de hoje, muda o ano: 25 de Novembro de 1999. E por isso o sofrimento. Por isso o relembrar. Em mim descomemora-se mais um aniversário da maior derrota europeia de todos os tempos do Benfica: o 7-0 contra o Celta de Vigo.

João Vieira Pinto e José Calado no sofrimento contra o Celta de Vigo in record.xl.pt
Oito tenros anos. Recordo que estava a dormir a sesta na sala dos meus avós. Lá acordei, porque já eram mais horas de jantar do que dormir, mas mal sabia para o que estava a acordar. Nem me consegui endireitar sob as ditas almofadas azuis e verdes – para ajudar ainda mais à pintura de tal desastre –, como se antevisse tal cenário decrépito e de cortar o coração. Bom, não tive propriamente de trabalhar nas minhas capacidades de futurologia para tal, porque o primeiro da noite surgiu logo aos 19 minutos e de grande penalidade. Ah, e o segundo e terceiro e quarto entraram ainda antes do final da primeira parte. Responsáveis? Por ordem: Valery Karpin, Makélélé, Mario Turdó e Juanfran. Depois disso, tudo se tornou turvo e confuso. A esperança dentro de mim morreu. E levou consigo um bocado da minha infância e da minha capacidade em confiar. Em todos. E no tudo e no nada, que é o futebol. Continuei deitado. Dormente. Apático. Perdido. A sofrer sem saber ainda como se sofre. Mas assim foi. Assim ficou.

Nesse ano o Celta acabaria por ficar em sétimo na Liga Espanhola e o Benfica em terceiro na Liga Portuguesa, atrás de Porto e Sporting, respectivamente. No que à Taça Uefa diz respeito, os espanhóis mataram o meu sonho na 3ª ronda e ainda tiveram tempo para eliminar a Juventus na ronda seguinte – com outra goleada por 4-0, em casa. Como o Benfica, mas de forma mais gloriosa, morreram nos quartos-de-final, contra os franceses do Lens. O troféu ficou para o Galatasaray.

No entanto, as rosas não têm só espinhos. Na sua coroa passeiam as ânsias dos amores, das paixões e da esperança vívida. Nem tudo é mau. Nem tudo é sofrimento e angústia. E o Benfica também teve as suas vitórias. As suas goleadas. Agora que já falámos da maior derrota de todas, olhemos antes para as cinco maiores vitórias de todos os tempos na Europa: duas em 1965 contra os luxemburgueses do Dudelange, por 10-0 cá e 8-0 lá. Outra em 1968 contra o Valur Football Club, da Islândia. Esta deu 8-1 em Lisboa. Em 1970 outro 8-1 em casa contra o já extinto Olimpija, clube esloveno que em 2005 “ressuscitou” sob o nome Nogometni Klub Olimpija Ljubljana. A fechar as contas o 7-0 contra o Fenerbahçe, em 1975. Mas como nem tudo é passado (longínquo) podemos também recuar a 2009 – ano de e à campeão –, quando o nosso Benfica impôs ao Everton a sua maior goleada de sempre: 5-0 na Luz, a contar para a Liga Europa. Nesse ano haveríamos ainda de chegar aos quartos-de-final, onde o Liverpool nos cortaria as pernas.

Em semana de Champions é preciso recuperar o espírito lutador e perceber que, mesmo na desgraça, há sempre um raio de sol que «lá no céu, risonho vem beijar». Se o nosso destino não for continuar na Champions, seja. Mas a sair, saímos de cabeça levantada como fizemos na Grécia, perante um Olympiakos totalmente vencedor, mas totalmente domado. A Europa a quem a merece. E o ano passado merecemo-la. Quem sabe este ano os deuses não escreverão tortuosamente por linhas direitas...

Artigo presente no sítio de desporto online

11 de novembro de 2013

Um ano de vida

Hoje é dia de sinceridade. Adoptemos tal postura humana como resolução para este radioso dia de chuva que brilhantemente se abateu sobre os muitos milhares e milhares que vestem de verde. Para eles, hoje é dia de ressaca. Normal. Já todos passámos pelo mesmo. Faz parte do desporto. Do futebol, principalmente. É saudável. Engraçado e espirituoso. Não só faz parte, como chega a fazer falta. Não faz é falta nenhuma que se transforme esse habitual fado em «sensação de azedume no estômago». Ou em “azia”, se preferirem uma definição mais comum do que aquela dada pela Infopédia. Porquê? A explicação pura e dura vem de seguida.

No estádio o ambiente era electrizante. O Benfica vinha de uma derrota amarga e injusta contra os gregos do Olympiacos e o Sporting tinha suado, chorado e sangrado para vencer o Marítimo em Alvalade, com o golo da vitória a sair de uma grande penalidade de Adrien Silva, já a menos de quinze minutos do jogo acabar. O Benfica vinha também mais cansado enquanto o Sporting tinha tido uma semana para planear tudo da melhor forma, com o intuito de levar de vencido o eterno rival. Mas num derby tudo isto interessa tanto, como não interessa nada. E portanto, favoritos não os havia – ainda que o Benfica tivesse de assumir o jogo pelo factor casa. Assim o fez. E fê-lo contra um Sporting que acusou nervosismo e imaturidade. Um Sporting que ia mantendo posse de bola, para o desespero dos encarnados que habitavam as bancadas, mas que o fazia porque não sabia melhor, não sabia como entrar, não sabia como atrair o adversário para fora das suas linhas e não sabia como remar contra uma corrente que começava a ganhar muita força. Força a mais. Foi assim o início do jogo, no qual ambas as equipas apresentaram algumas surpresas: os visitantes jogaram com Maurício e André Martins, em detrimento de Eric Dier e Vítor, enquanto os visitados apostaram em “alas à portuguesa”, com André Almeida do lado direito e Sílvio do lado esquerdo, e confirmaram também a titularidade do artilheiro do costume: Cardozo. E foi exactamente esse o homem que construiu a vitória do Benfica e a desgraça do Sporting. Em 45 minutos, três golos. O primeiro surgiu logo aos 11 minutos, quando a estrutura verde se começava a vergar perante o poderio e o chorrilho de ideias do ataque encarnado. André Almeida galga a ala direita e, em combinação com Cardozo, chega muito, muito perto da área adversária quando é travado em falta (fica o amarelo por mostrar a Maurício). Na conversão o paraguaio relembra a receita de Ronaldinho Gaúcho e põe a bola por baixo da barreira e no canto oposto ao de Rui Patrício. Daqui para a frente parecia que ia ser sempre a subir. Aliás, a receita do Benfica para um jogo de sucesso era mesmo conseguir marcar cedo e continuar a mandar no meio-campo ou, pelo menos, a impedir que o Sporting conseguisse fazer alguma coisa com a elevada posse de bola que ia tendo. E, aos 37 minutos, sem que nada o fizesse prever, quando o Benfica ainda continuava bem por cima, Wilson Eduardo arranca um cruzamento fantástico na direita que tem como destino o voo destemido de Capel para o empate. Balde de água fria na Luz e o Sporting a rejubilar com a sorte de, em dois remates (o primeiro também por Wilson Eduardo, a sair muito longe), ter feito um fantástico golo. Mas Cardozo estava malandro e as alas do Benfica funcionavam infindavelmente bem, com um acerto de põe-bola-tira-bola e agora-subo-eu-agora-baixas-tu que adivinhavam-se mais golos…mas nunca dois no espaço de oito minutos. E ambos a saírem do mesmo pé! Mas já diz a música: «tenham cuidado, ele é perigoso». E foi mesmo. 3-1 para o Benfica ao intervalo e ambos os adeptos a tirarem a barriga de misérias.

Cardozo e o seu primeiro in zerozero.pt
Ao começar a segunda parte deu ainda mais Benfica, mas já algo parecia não estar a funcionar da mesma forma. Markovic estava em decréscimo de forma, Matic continuava sem ter espaço para uma melhor exibição – com as intervenções constantes a meio-campo de Enzo e Rúben Amorim – e Cardozo já tinha “picado o ponto”. Ainda assim os primeiros 15 minutos foram da equipa da casa. Até que Leonardo Jardim mostrou porque merece a confiança na reconstrução deste novo Sporting: vai-te embora, Wilson Eduardo – jogo mediano e já tinha dado tudo o que havia para dar – e vamos a jogo, Carrillo. Os Leões até pareciam rugir de outra forma. Nem de propósito: dois minutos depois e golo. O Benfica a deixar reduzir a vantagem num canto em que Maurício se antecipa a Luisão. E o pior ainda veio depois: do lado das águias, Rúben Amorim – presença fulgurante e determinante na segurança do Benfica – lesionou-se e acaba por ser substituído pelo jovem Ivan Cavaleiro; do lado dos leões, menos meio-campo com a saída de André Martins – jogo apagado – e mais ataque com a entrada de Slimani (terá Leonardo Jardim acreditado que o Benfica ainda podia sofrer mais um de bola parada?…). Tudo mudou. O Benfica passava a ter mais velocidade de arranque, mas menos controlo do jogo – auto-anulando-se de forma ingénua – e o Sporting, que só tinha era de ir atrás da vitória, passava a ter uma ala esquerda fresquíssima e um avançado com o poderio físico para importunar Luisão e Garay. E foi mesmo isso que fez, com um remate (ou antes uma perdida incrível?) ao poste de Artur. Antes disso ainda duas oportunidades para a equipa da casa sentenciar a partida, com Markovic a desviar para a barra e Cardozo a não se tornar no “ainda-mais-homem-da-noite” depois de uma defesa enorme de Patrício. Por esta hora já os hospitais se enchiam de cardíacos, eis senão quando…as preces de Jardim são ouvidas e o gigante recém-entrado acaba mesmo por marcar. Outra vez de bola parada. Agora por culpa de Garay, que manchou os 100 jogos de águia ao peito. Meu Deus. O que se passa? Jesus resolveu passar os últimos 20 minutos a dormir – só fazendo entrar André Gomes aos 90 minutos (!) – enquanto Leonardo Jardim ia tornando o Sporting numa equipa destemida e cheia de velocidade. Bastaram duas desatenções e essa mesma equipa, ainda que não apresentasse um esquema de jogo racional e/ou esclarecido, fez dois golos. Resultado? Empate. Prolongamento e desespero.

Dos últimos 30 minutos, pouco se tira. A não ser a infantilidade de Rui Patrício – que deixa Luisão fazer o golo mais ridículo que vi em toda a minha vida – a bola ao poste de André Almeida, o falhanço que sai da cabeça de Slimani e, se quiserem, a expulsão de Rojo. Apito final.

Patrício acabou por falhar in zerozero.pt
Concluo que depois de 20/25 minutos electrizantes por parte do Sporting – os últimos da partida – e depois de um empate sacado a ferros, seja difícil engolir este “sapo”. É mesmo. Mas é particularmente difícil de engoli-lo porque o raio do “sapo” leva um qb de justiça com ele. Convenhamos: nenhum sportinguista no universo lutou tanto para o empate da sua equipa…como Jorge Jesus. Se houve casos, mas, e acima de tudo, se alguém fala neles…foi porque Jorge Jesus quis. Se sofremos dois golos de bola parada foi porque a equipa adversária não os sabia fazer de outra forma…e porque somos tolos. Mas até mesmo os tolos têm direito à justiça. E nem sempre – ou nunca – o demérito de um, justifica o mérito de outro. Ainda que Leonardo Jardim tenha tido rasgos brilhantes na sua interpretação do jogo, Jorge Jesus conseguiu – num feito enorme, passo a ironia – só estragar a recta final de um jogo perfeito. Deveria ter ido para o Sporting? Não. Deveria era não ter-me custado um aninho de vida a assistir e aguentar. Só e somente porque não era preciso.

Artigo presente no sítio de desporto online

7 de novembro de 2013

Natal antecipado

Amesterdão como pano de fundo. Debaixo de uma luz tímida, filha do mau tempo que se faz sentir, as suas curvas pedem por atenção. Um misto de conforto, serenidade e provocação salta aos olhos e sem se perceber, percebe-se que foi exatamente essa a ideia dos construtores alemães: com uma pitada de sal (e pimenta) trazer para o carro a nossa casa, nós e também a nossa família. O BMW i3 é o futuro no presente. E ao contrário do que é habitual, este presente chega já em Novembro.


 Apresentado e, acima de tudo, inspirado no espírito de uma cidade que não para, que defende o ambiente e que aposta no desenvolvimento de veículos elétricos, o i3 vem mudar a BMW e a sua forma de ver a construção automóvel. Tudo «pelo prazer de conduzir»…mas não só. Em Novembro de 2007 dão-se os primeiros passos no projeto e aí começam os muitos anos de investigação passados junto dos clientes BMW, tudo de forma a perceber as suas necessidades diárias e como usavam o carro para as satisfazer. Os bancos viram “tronos” – ainda que isso implique algum desconforto em viagens mais longas -, em vez de cinco lugares temos quatro (demasiado) espaçosos, nos bancos de trás inserts específicos para cadeiras de bebé e – porque não? – portas traseiras ao estilo suicide para uma saída facilitada e em estilo. Tudo isto englobado naquele que é o conceito de “cápsula”: um espaço amplo onde as próprias janelas – numa tentativa de vista panorâmica pouco conseguida - se tocam e onde toda a família está presente não para viajar, mas pelo prazer que há em viajar. Daí que as quatro possibilidades de equipamentos, da mais acessível para a mais dispendiosa, vêm com os nomes de Atelier, Loft, Lodge e Suite. Como se de um quarto falássemos.

Mas é ao passar para as estradas holandesas que o i3 mostra do que é feito. Nota-se que a suspensão foi pouco trabalhada, talvez por ser um carro tipicamente urbano, ainda que a tração seja estimulante e com direito a algumas brincadeiras nas curvas. A aceleração, ainda para mais com caixa automática, dá-lhe o cognome de “Papa-Semáforos”. Vai dos 0 aos 100 em 7,2 segundos e tem uma velocidade máxima de 150 km/h – limitada eletronicamente. É intuitivo, fácil de conduzir e tem uma boa leitura de estrada, sem perdas de velocidade desnecessárias quando obrigado a lidar com troços mais acidentados. Mas é na relação entre os pedais que encontramos o que este carro tem de mais interessante: se conduzido convenientemente, só em caso de emergência é que temos de usar o travão. Isto porque tirar o pé do acelerador traduz-se numa redução imediata e drástica da velocidade. Assinale-se ainda que nesse processo o motor elétrico assume a função de gerador, injetando na bateria corrente elétrica recuperada através da energia cinética.

Com uma potência máxima de 125 kW (170 cv) e um binário máximo de 250 Nm, o motor alia-se da melhor forma a uma bateria com autonomia para 190 quilómetros, o que corresponde a 130-160 quilómetros em condução urbana. Para ajudar a gastos menores a BMW disponibiliza ainda três modos de condução: o Eco Pro +, que dá ao veículo o controlo total da condução, desativando inúmeras opções e limitando a velocidade até aos 90 km/h; o Eco Pro, com um tipo de condução racionalizada, principalmente nos arranques e travagens, mas livre; e o modo Comfort, onde está tudo à nossa responsabilidade.

Para os que gostam da “tradição” de dar prendas a si mesmos, em Portugal o BMW i3 ficar-se-á nuns “simpáticos” 38.250€ ou com renda mensal de 650€ como produto renting. Boas festas!


Nova forma de poupança 
Ainda receoso de que o futuro não passa pelos veículos elétricos? A BMW dá uma ajuda: Em comparação, os custos de manutenção e reparação descem aproximadamente 20%, na medida em que os materiais utilizados na construção deste i3 são na generalidade plásticos reforçados com fibra de carbono, muitos deles reciclados. Isto permite que em caso de acidente os painéis – mais baratos por si só - se mudem rápida e facilmente e que, por exemplo, um pequeno toque ao estacionar não se torne imediatamente numa amolgadela. Para além disso os motores elétricos são muito mais fáceis de reparar do que os motores convencionais. Já para não falar que deixa também de ser necessário fazer as típicas revisões para mudança do óleo. Junte-se a isto o facto de os automóveis elétricos não terem de pagar imposto automóvel ou imposto de circulação e as coisas tornam-se ainda mais interessantes. Contas feitas? No nosso país, com o preço atual do diesel e da eletricidade, estima-se que num ano (em média 20.000 km percorridos) um carro a diesel, com um consumo médio de 6,5 litros aos 100 quilómetros, irá beber 1879€ em combustível, enquanto um BMW i3, que tem um consumo médio de 14,4 kWh aos 100 quilómetros, irá usar 541€ em eletricidade. Uma diferença de 1338€. Convencido?
Artigo presente na edição de 6 de Novembro do semanário AutoSport

5 de novembro de 2013

Amar é querer partir mas ficar

Só nos contos de fadas é que as paixões imensas ganham o fulgor e a atraente calmaria que – estúpidos de nós – pensamos querer para o resto das nossas vidas. Sofrer, ainda que nessas páginas não conste, faz parte do crescimento. E o crescimento a dois é a coisa mais inspiradora que a Humanidade foi alguma vez capaz de conceber, rejeitando jovialmente o seu intrínseco egocentrismo. Pois que fique claro, ainda que nada saiba realmente sobre o assunto, que amar é ter o coração nas mãos e nas mãos o tremor impaciente de uma vida que anseia pela felicidade conjunta. Ou assim gosto de acreditar.

Luisão e o Benfica representam, de uma forma menos poética, o suprassumo do que é esse fulgor ritmado que nos tira o sono, a fome, a lucidez e a vontade de viver tornando-nos simultaneamente nos seres mais vivos à face da Terra. O ‘Girafa’ entrou no coração da águia já lá vão 10 anos e, desde então, muitas foram as noites sem dormir que essa história de amor provocou aos que de encarnado vestem. 2009, 2011 e o presente 2013 foram os anos em que os jornais desportivos publicaram a intenção de sair por parte do brasileiro, o que causou manifesto mau-estar no balneário, visto o actual capitão ter declarado na altura – pré-época 2011/2012 – que nem a braçadeira o prenderia ao Benfica. Luís Filipe Vieira, de uma forma ou de outra, conseguiu sempre convencer o central a não fazer as malas e deixar a casa. E, lá está, de uma forma ou de outra, esse amor deixou-se fortalecer e cristalizou aquela que é actualmente a relação de lealdade mais cativante em todo o futebol português.

Hoje o palco é de Luisão porque, se as lesões não atrapalharem, no final da fase de grupos da Champions o camisola 4 tornar-se-á no jogador com mais presenças europeias por um clube português: 99. Nem Veloso (77), Eusébio (75) ou Nené (75) conseguiram deixar tal marca na história do futebol nacional. O actual recordista é nada mais, nada menos do que Vítor Baía, pelo FC Porto, com 98 presenças em jogos para a Europa.

E o que há para contar das aventuras além-mar do ‘Capitão’? Uma infindável amálgama de carrinhos in extremis, cabeceamentos territoriais, alívios determinantes e passes de ruptura para a inteligência dos médios e avançados de encarnado. Para além disso, e acima de tudo, três golos na Liga Europa – onde, em 2011, se destaca o tento contra o PSV, que empurrou a equipa para o empate que acabaria por garantir a presença nas meias-finais contra o Braga -, e cinco golos na Liga dos Campeões, sendo que nenhum benfiquista se esquece do enorme cabeceamento que dá a vitória em casa nos oitavos-de-final contra o Liverpool. No total, e só para saciar a curiosidade, 49 jogos para a Liga Europa (26 vitórias, 10 empates e 13 derrotas) e 47 jogos para a Liga dos Campeões, incluindo fases de qualificação (18 vitórias, 13 empates e 16 derrotas).

Luisão bate o Liverpool em Fevereiro de 2006 in record.xl.pt
Pelo meio dos beijos apaixonados que mimicamente enviava aos adeptos depois de marcar um golo, também surgiram algumas quezílias. Ofensas, injúrias e revolta declarada e bem expressiva contra um público impaciente e já derrotado quando a vitória contra o Gil Vicente lá acabou por chegar (tarde). Mas a verdade é que quem ama, perdoa. Quem ama, não esquece. Dá o tudo por tudo e tudo deixa nesse jogo que é o amor.

Mais tarde ou mais cedo, porque é assim que os apaixonados vivem e sobrevivem, os temores dissipam-se, as palavras feias guardam-se nos bolsos – lá bem longe do coração – as zangas convertem-se em sinal de entendimento e, com toda a dedicação e lealdade que acompanhou essa vida a dois, vive-se com a certeza de que quando for para morrer, será a seu lado. E de encarnado.

Artigo presente no sítio de desporto online

28 de outubro de 2013

«Particularmente satisfeito com a vitória»

Foi assim que Jorge Jesus, na flash interview, respondeu à pergunta se estava ou não satisfeito com a exibição dos encarnados.

Quem viu os 90 minutos deste Domingo, contra os “Negros” da Madeira, também percebeu – tal como Jesus politicamente tentou não dar a entender – que houve mais “vitória” e mais “golo” do que “jogo” propriamente dito. Mas vamos andando. Um pouco como o tempo: que não chove, nem faz sol. Que chateia, mas até agrada.

A Luz fez dez anos. Nuno Gomes foi relembrado por lá ter marcado o primeiro golo. E, talvez por já termos vivido melhores dias, lembrámo-nos também da derrota contra o Beira-Mar no primeiro jogo oficial a acontecer no nosso reduto. Junte-se a isto a necessidade de ganhar, o clássico a Norte e a estreia a titular, no Campeonato, do Cavaleiro Ivan. Concluindo: noite de emoções fortes.

E foi assim que o Benfica entrou: forte. Com uma atitude completamente diferente daquela com que nos “presenteou” na quarta-feira contra os gregos do Olympiakos. Já a estrutura da equipa foi similar: o típico 4-4-2, com Matic e Enzo ao centro, Gaitán à direita e o supracitado estreante à esquerda. A defesa manteve-se, com o regresso de Maxi e a insistência em Siqueira. No ataque, Rodrigo à ajuda e Cardozo na artilharia. Sem complacências encostou-se o Nacional às cordas e dominou-se com ritmo relativamente elevado até aos primeiros 10 minutos. O problema foi o “autocarro” madeirense. E agora? Soluções? Com calma a coisa faz-se…pela esquerda. Brasileiro e português afinaram a voz e, juntos, deram show – não de cantoria, mas de bola. Tanto que aos 15 minutos Siqueira arma-se em número 10 e em combinação com Cardozo faz o primeiro da tarde. Espectáculo…pela primeira vez nas últimas semanas de jogos do Benfica. Depois disto deu para ir à casa-de-banho sem pressas, porque novo lance de perigo só mesmo aos 35 minutos com um falhanço de Cardozo, que achou boa ideia ajudar ao treino de solo de Gottardi. Vamos para intervalo.

Cardozo no bom e no mau in soubenfica.pt
Ao voltar manteve-se a estrutura…mesmo no Nacional. Muita concentração – como prometera Manuel Machado -, mas pouca raça e pouco atrevimento por parte dos visitantes. Entra Diego Barcellos para dar alguma força e algum equilíbrio ao meio-campo e a ideia até resultou, porque Enzo Pérez foi lentamente perdendo influência na partida e Matic, em consequência, baixou jogo em termos gerais. As alas, no entanto, mantiveram-se em alta rotação e tanto Gaitán como Ivan Cavaleiro subiram claramente de forma com tentativas constantes, ainda que por vezes frustradas. O segundo golo encarnado surge de uma que, pelo contrário, resultou da melhor forma possível: Gaitán serpenteia da direita para o meio, isola Cardozo e o Paraguaio tem tempo para ligar à família a pagar no destino e ainda rematar pelo meio das pernas do azarado guarda-redes do Nacional – que até mostra qualidade, mas não tem oportunidade de realmente…a mostrar.

Para fechar, uma última reflexão – que não passou ao lado dos jornalistas e comentadores: o Benfica acaba um jogo sem sofrer golos, com bola no pé e sem preocupações de maior. Mas terá sido por mérito de uma equipa que joga em casa e que tem a obrigação de ganhar – independentemente de estar ou não a jogar contra o ex-quarto classificado da Liga -, ou por demérito de um conjunto insular que se deixou quebrar pela maior enchente benfiquista deste ano? Agora é ligar a Norte. Desejos de bom jogo!

Artigo presente no sítio de desporto online

22 de outubro de 2013

O Cavaleiro de Jesus

Veste o encarnado dos sonhos pela primeira vez. Longe de casa, mas rodeado do mundo. Do seu mundo. Tremem-lhe as pernas. Baixa a cabeça. Tenta respirar, mas parece-lhe impossível. Uma, duas, três vezes. O coração palpita, qual gazela que em alta velocidade se revolta contra as investidas sanguinárias do seu predador. E, como ela, vai deixando de ter medo. É a vida que está em jogo. Passo a passo. Galgada por galgada. Não se baixa mais a cabeça. O futuro é agora. E o futuro é dele.

Leva o “90” às costas. O mesmo número que anseia concretizar, em minutos, dentro de campo. Benze-se. Agora sim, respira fundo. Ao expirar solta um grito mudo, mais alto do que os sonhos e as esperanças que lhe assolavam o peito ainda há cinco minutos atrás, quando ajeitava as caneleiras e apertava as chuteiras. Olha à volta. As cores estão mais vivas, o ar sabe a maresia e os sons despertam paixões escondidas que sempre o fizeram sorrir. Tudo tão rapidamente que, ainda que belo, não dá por nada. Apito. Acaba o sonho. Começa a batalha.

Ivan Cavaleiro em Cinfães in record.xl.pt
Nem dois minutos passaram quando o vila-franquense recebe a bola à entrada da área e, deixando apenas bater uma vez no relvado, remata para enorme defesa do guarda-redes cinfanense. A partir daí foi sem tirar os olhos da baliza e a fé do céu. Pontapé por cima. Cruzamento tenso mas sem resultados. Os seus companheiros sem conseguirem melhor. Intervalo. O mesmo ritual: ansiedade, medo, apreensão, coragem. Mão a desenhar uma cruz ao peito e as mesmas cores, os mesmos cheiros e os mesmos sons. A única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo, certo dia ouviu. Apito. Bate coração. E seis minutos depois o sonho torna-se realidade: cruzamento ao primeiro toque, fortuito, mas mortífero. A gazela virou águia. E já marcou o seu território.

Com a mesma humildade com que empunhou a espada, Ivan limpou-a e saiu vitorioso. Tem somente 20 anos. Tinha-os feito no dia anterior. É actualmente o melhor marcador da “Liga 2 Cabovisão” com 7 golos em apenas 10 jogos. Na próxima segunda-feira recebe o prémio do melhor jogador dos meses de Agosto e Setembro da mesma Liga. Ivan, ‘O Terrível’, senta-se agora no seu refúgio e espera pelo inevitável futuro: que chegue o dia em que seja aclamado Cavaleiro de Jesus.

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17 de outubro de 2013

22 anos ao pontapé

Nestas últimas semanas tenho andado nostálgico. Sinto falta de muita coisa e não sinto falta de nada. De alguma forma a (falta de) idade está a afectar-me e a levar consigo a sanidade que sempre pautou a minha vida e as minhas escolhas. Todos passamos por isso, mais cedo ou mais tarde. Até o Benfica. E hoje é dia de pensar nisso mesmo: em escolhas.

Para os que já soltaram o primeiro suspiro, com medo e certeza de que estão prestes a ler mais um queixume anti-Jesus, aproveito para esclarecer imediatamente que não é o caso. Bem pelo contrário. Aliás, temos motivos para sorrir. Hoje é dia de partilhar memórias. É dia de voltar ao passado. Meus caros e minhas caras: hoje é dia de vos apresentar o onze que marcou a minha vida de Benfiquista.

Para que não haja confusões ou debates contraproducentes quero que fique bem explícito que tenho 22 anos e que, por isso mesmo, só aqui estarão jogadores que passaram pelo Benfica desde a época de 1992/1993 até à época actual. Sem mais demoras, comecemos pelo treinador de eleição: Giovanni Trapattoni. Esta é controversa. Mas quantos bons treinadores – tirando um Mourinho à experimentação – é que aqueceram o banco da Luz nestes 22 anos? Pois. Dessa forma, este título ou ia para Jesus ou para o italiano. ‘Trap’ acabou por levá-lo no bolso porque adoro futebol italiano e porque no espaço de um ano este senhor trouxe o Campeonato para casa e só não arrumou com a Taça de Portugal porque o Setúbal resolveu bater o pé – e bem. Sabendo que ainda não havia Taça da Liga na altura…o percurso não é semelhante ao de Jesus? Tire-se a valorização de jogadores, os percursos europeus e as excelentes contratações e a resposta é “sim”.

Guarda-redes? O melhor dos melhores: Michel Preud’homme. Fosse ele alemão e o Kahn nem nunca teria gastado o couro às luvas na selecção.

Defesa esquerdo? Stefan Schwarz. Não é a escolha de que mais me recorde, mas ou era ele ou era Léo. Léo deixou trabalho por fazer, muito em parte por causa de Quique Flores. Já Schwarz, em quatro anos de Benfica, ganhou dois Campeonatos e uma Taça de Portugal. Sai para o Arsenal em 1994, mas antes disso ainda ajudou no 6-3 ao Sporting.

Para a direita é António Veloso. Enorme. E pouco mais há a dizer. Faço apenas um mea culpa porque justifico a escolha com números que Veloso conseguiu principalmente antes do meu nascimento, a 11 de Julho de 1991: sete Campeonatos, seis Taças de Portugal e três Supertaças.

Dupla de centrais: Luisão e David Luiz. Jogaram juntos e, ainda que algumas coisas pudessem ter corrido melhor aqui ou ali – haveria 5-0 contra o Porto se David Luiz tivesse jogado ao lado do ‘Gigante’? –, não me lembro de ver melhor dupla. E isso justifica as duas escolhas. Depois, Luisão é um dos maiores elementos da história recente do Benfica, e David Luiz um dos melhores jogadores de sempre que passou por Lisboa.

Bola para o meio-campo que o texto já vai longo. Na esquerda o jogador que ‘aquece’ o coração de qualquer adepto do outro lado da 2ª Circular: Simão Sabrosa. Hoje no Espanyol, não há benfiquista que o esqueça ou que alguma vez lhe tenha perdoado a saída. Era, aliás, bastante comum ir ao estádio nos cinco anos seguintes à partida para o Atlético de Madrid e ouvir o famigerado “estivesse aqui o ‘pequenino’ que tratava-lhe logo dos rins e fazia golo!”.

"Festejo à Rui" in desportugal.blogspot.com
Ao meio o lendário e único Rui Costa. Fosse o casamento homossexual legal em 2008 e muitas teriam sido as propostas aquando do jogo de despedida contra o Setúbal. De forma mais comedida, não houve no estádio quem não chorasse depois desse 3-0. Fui um deles e lembro-me que nunca mais senti o futebol da mesma forma depois disso. Há coisas que não se explicam. Uma delas foi o golo contra a Naval, a passe de Luís Filipe e depois de rodar sobre si mesmo. Taborda só não chorou porque ficava mal na fotografia. Junte-se ao Rui o ‘espartano grego’: Giorgos Karagounis. Um dos únicos jogadores que nunca ganhou nada no Benfica e que, só com três golos marcados em duas épocas, foi um dos médios mais fulminantes, exigentes e capazes a actuar em Portugal. Só desculpei a tragédia em 2004 porque ele estava no banco e Katsouranis estava em campo.

A fechar o círculo de estrelas, na direita, Karel Poborský. O checo jogava tanto que até metia pena olhar para os marcadores directos. Não houve finta que não fosse ridiculamente bem executada e cruzamento que não desse (quase) golo. Fazia de tudo na direita, mas curiosamente o melhor golo que me lembro de o ver marcar acontece pela esquerda, num jogo contra o Braga em 1998. Começou na área encarnada e só parou na baliza bracarense. Maldades…

Para acabar, porque o jantar já está na mesa, o ataque: Miccoli e Nuno Gomes. O português não chegou aos 400 jogos pelo Benfica – ficou a faltar um -, mas conseguiu a proeza de registar 166 golos de águia ao peito. Não é para todos. Infelizmente nunca levou o prémio de melhor marcador da Liga para casa, ainda que o tenha merecido em tantas épocas, ou não fosse ele o 9º melhor marcador da história do Benfica. Quanto ao ‘Rato Miccoli’: Liverpool, Anfield Road e pontapé de triciclo…dizem alguma coisa? Nesse ano só o Barcelona haveria de parar o Glorioso, fazendo ressuscitar o fantasma de Bella Guttman e sua promessa. Em Portugal não passámos do 3º lugar, mas não por culpa do italiano que, em somente duas épocas – ambas marcadas por algumas lesões -, ainda conseguiu fazer 19 golos.

Agora relaxem, terminem a vossa mini e pensem se este até nem é, apesar de tudo, o melhor ciclo do Benfica nos últimos 22 anos. Se continuarem a achar que não, então recomendo um passeio. Longo. Foi num assim que, graças a genialidade alheia, decidi vos presentear hoje com estas memórias.

"O 4-4-2 dos sonhos"

Artigo presente no sítio de desporto online

3 de outubro de 2013

Enfermidades sadias

Toda a minha vida tentei perceber onde nasciam e como fluíam estes rios de paixões que carrego comigo desde novo. Hoje, mais do que nunca, e a cada dia que passa, preocupo-me é em navegá-los. Isso basta-me. Em 22 anos, de perder a conta foram as vezes em que não neguei a mim mesmo gritos, festejos, choros e desesperos em público ou na solidão de quatro paredes brancas. Chamo-me Tiago Martins e tenho uma doença grave: sou Benfiquista.

Não sei dizer como cheguei até aqui. O que falhou. O que bateu certo. Quem ou o que falou mais alto. Talvez tudo. Talvez nada. Sei é que não há volta a dar. Que é demasiado forte a falta de força que tenho dentro de mim para tentar remeter a um qualquer canto escuro esta paixão desmesurada e que tantos problemas traz. Hoje a minha namorada já não me suporta. Os vizinhos batem-me nas paredes. Os meus amigos vão desistindo de mim. Os meus pais já não fazem jantar nem aos fins-de-semana nem às terças. E até a minha própria gata já padece de um distúrbio psico-nervoso sempre que me vê em frente à televisão. Chamo-me Tiago Martins e tenho uma doença grave: sou Benfiquista.

Desde pequeno que isto me afecta. Porque nunca quis desiludir ninguém. A verdade é que sou filho de lagarto e neto de águia. E também neto de pasteleiro, se contar com a muito discreta paixão do meu avô paterno ao Belenenses. Durante meio ano, que me lembre, ainda fui inconsequente e ingénuo o suficiente para acreditar que seria possível conjugar vermelho e verde no mesmo coração. Nas mesmas veias. Ridículo. Vergonhoso. Mas o coração tem razões que a própria razão desconhece. Já dizia Pascal. E Jesus. A tentar agradar a todo o mundo familiar acabei por me deixar influenciar e encantar pelos sempre saudáveis mas entusiásticos festejos encarnados do meu avô materno. Não era de mais. Nem de menos. Era o suficiente. Belo o suficiente. Apaixonado o suficiente. Dedicado o suficiente. Leal o suficiente. Memorável o suficiente. E assim cresci. E assim me apaixonei e dediquei. Me tornei leal e nunca mais esqueci nem esqueço. Chamo-me Tiago Martins e tenho uma doença grave: sou Benfiquista.

Gravo na memória e espelho num sorriso meio infantil os pontapés que aprendi a dar com ele. Fui uma criança feliz com ele e graças a ele. E o Benfica acompanhou-nos sempre, nessas aventuras meio aparvalhadas que nós homens tanto gostamos de arrastar e levar connosco vida afora. Golo aqui, golo acolá. Frango ali, frango na mesa para ver o jogo. Nunca vimos muitos, mas vimos os suficientes. E esse amor que partilhamos e partilhámos sempre, uniu-nos de formas incompreensíveis para muitos descrentes. Porque a crença é o que fizermos dela e o que ela fizer de nós. Sei que a primeira vez que gritei “Campeões!” o meu avô tinha ido para o hospital, depois de um acidente caseiro em tudo dispensável e evitável. Lembro-me que não fui com ele porque o jogo contra o Boavista era dali a umas horas e eu até já tinha comprado um cachecol para festejar mais logo. “O” cachecol que ainda hoje uso com orgulho e ao qual já limpei algumas incompreensíveis e irracionais lágrimas. O mesmo que uso num ritual ainda menos compreensível e ajustado emocionalmente sempre que vou ao Inferno. Lembro-me que bastou o empate – muito sofrido – e que festejei na Rinchoa, com os pezinhos de criança pré-adolescente equilibrados em cima de um pequeno muro e aos saltos sempre que passava um carro a apitar. Fui feliz nessa noite, mesmo tendo o coração nas mãos por não saber como estava ou como ficaria o meu avô. Ficou bem. E festejou também. Anos mais tarde, e há relativamente pouco tempo, levei-o ao tal Inferno. De forma meio paradoxal tive medo que ateísticamente conhecesse o céu sem nunca passarmos por aquelas portas juntos. Vimos seis golos contra o Desportivo das Aves. E eu vi um sorriso pacífico na sua face. Para que mais serve o futebol?

Chamo-me Tiago Martins e tenho uma doença grave: sou Benfiquista. E sou feliz.

Artigo presente no sítio de desporto online

28 de agosto de 2013

Já estivemos todos mais longe

Se alguma vez vos disserem – principalmente essa malta faladora que dá pelo nome de “jornalistas” – que ficar em casa é reservar lugar para ver a vida correr a sete pés e para bem longe, não acreditem. Se bem que às vezes temos razão. Mas isso são e serão sermões para outras paróquias que não esta que visitamos na presente data, tão crentes que somos nas experiências dos outros.
Eram umas seis da tarde quando me lembrei de pegar no telefone de casa – porque o telemóvel já se apegou a uns imutáveis 20 cêntimos – e ligar para o número de um suposto empregador que anunciava precisar de um jornalista com experiência comprovada, disponibilidade em deslocações dentro e fora de portas, fortes conhecimentos de inglês e uma ou outra premissa profissional e/ou pessoal da qual, ou das quais, já não me recordo...talvez por terem sido tantos os anúncios que li e as candidaturas que enviei na última semana.
Sisudo e prepotente, mas com um je ne sais quoi carismático impregnado na voz grave e apelativa, lá pigarreei enquanto marcava o número e nem dois segundos passaram quando uma voz (já) confusa me atendeu do outro lado:
- Estou sim? – perguntou.
- Olá, boa tarde. Como está? Olhe...
E o resto opto por nem sequer transcrever porque, sem razão aparente, perdi a sisudez, a prepotência e o sacana do je ne sais quoi mais rapidamente do que o Romário disse que «o Pelé calado é um poeta». E assim me senti também, por uns longos milissegundos.
Como um moribundo gramatical, levantei-me do tropeção e atropelo de palavras que tinha anteriormente conjugado e lá consegui explicar, num acesso de lucidez, que tinha encontrado um anúncio onde procuravam um jornalista. Expliquei também que estava disponível e interessado. A tal voz (já) confusa ficou ainda mais confusa e, sem saber bem o que dizer, meio à espera de uma iluminação ancestral qualquer, lá conseguiu esboçar um trejeito vocal de já reconhecido e esperado espanto:
- Espere lá que já percebi! Deixe-me desde já pedir-lhe desculpa. É que já perdi a conta ao número de pessoas que caíram no mesmo erro: na verdade eu sou jornalista e estou, isso sim, a oferecer-me para ser contratado por um empregador.
E pronto. Dois euros e tal derretidos no raio da chamada porque o site onde o anúncio estava alojado não sabia a diferença entre “oferta” e “procura”. Mas a parte bonita do dia – e da conversa, já agora – veio no seguimento de tudo isto, quando percebi que não era eu que ia pagar a conta do telefone no final do mês e que, por isso mesmo, podia ainda armar-me em “jornalista” e fazer uma pergunta:
- Já agora vai desculpar a intromissão, mas que idade tem o meu caro?
- Uns jovens 46 anos.

A partir daí a conversa estendeu-se àquele que é o tema desta crónica: o quão intemporalmente ridícula é a (falta de) contratação por parte dos Media. Ora, este homem tinha 46 anos e já tinha feito de tudo. Era tradicionalmente formado em Direito e tinha exercido durante algum tempo. Depois lá se virou para o jornalismo e, nesta nossa área, tinha-se tornado, ao longo de muitos, muitos anos – à volta de 15, talvez – num «tipo da escrita tradicional», como ele próprio se descreveu. E depois, ao relatar-me mais detalhadamente a sua experiência, esta sofrível revolta que vai vivendo dentro de mim voltou a crescer: já tinha uma boa idade e trabalhado como advogado quando o empregaram numa publicação. Esteve lá durante três anos. Três anos cheios de promessas de continuação, cheios de promessas de que passaria a efectivo. Mentira. Foram sim três anos a dar no duro, a fazer muita coisa que os outros não queriam e, claro, sempre a recibos verdes. Se recebia bem ou mal nem tempo tive de saber ou perguntar por entre o chorrilho de informações que me ia simpaticamente vomitando. Foi precário e de precário não passou. Demorou três anos a dar o murro na mesa, mas deu. Virou costas e foi à procura de melhor. Se encontrou ou não, não percebi. Nem quanto tempo demorou a encontrar. Mas passou depois dez anos numa empresa que precisava de alguém despachado e com experiência para tratar de relações públicas, comunicações, relatórios, etc. Enfim, tudo o que envolvesse a tal «escrita tradicional» que o nosso amigo já tão bem dominava. Surpresa das surpresas: há pouco tempo a empresa teve de cortar no pessoal e um dos desgraçados que lá trabalhava há mais tempo e que mais experiência tinha, foi para o olho da rua. Agora? Agora está há dois anos «à procura». Nada aparece. Nem ninguém parece querer saber. E ele próprio reconhece que não tem a minha «bagagem» e nem muito provavelmente o meu «à-vontade». Disse-me até que, com 22 anos, já ter estado num programa de televisão e ter uma licenciatura na mão é «muito, muito bom». Que estou «apenas a começar». Que tenho de acreditar que alguém na minha idade ainda tem um longo percurso pela frente e que não deixarão nunca de reparar em mim.
 
O que é que (me) falta então? Neste momento falta-me a felicidade e a esperança de que amanhã será melhor. Tudo porque o que na realidade falta são oportunidades e que ninguém tenha a lata de se levantar dum qualquer trono para nos dizer que não. Não a nós, jovens jornalistas com um curso na mão que investiram muito mais do que 3000€ em três anos para agora chegarem a uma rua sem saída. Que ninguém tenha a lata de dizer que a culpa é da economia. Ou que está tudo a fechar. Ou mesmo que esta porra de profissão não tem saída. Não, não. A culpa está naqueles que vingaram e que nunca viram a profissão como um dever institucional, social e, se quiserem, comunitário. A culpa está naqueles que já não se lembram do que “ralaram” – como diz a minha mãe – quando tinham a minha idade e quando sonhavam apenas em trabalhar numa redacção. A culpa passeia-se por essas mesmas redacções onde hoje o tal “nós” vai trabalhar durante três ou seis meses, sempre como estagiário, para «ganhar experiência» e encher os blank spaces das publicações cheias de fantásticos jornalistas que se acham demasiado importantes para fazer “breves” ou “curiosidades” ou “cronologias”. A merda da culpa vive neste estado que nos deixa ser explorados, que nos deixa ser escravos tecnocratas e que não se preocupa em lesar aqueles que assim se servem de nós, em constante ciclo vicioso, havendo sempre ali alguém que trabalha de borla e não dá prejuízo. A culpa vive também num sindicato que não procura culpabilizar criminalmente os órgãos de comunicação que insistem nestas práticas. E depois, como não poderia deixar de ser, a culpa vive em nós, jovens jornalistas, que não nos defendemos porque acreditamos realmente que é tão pouco o nosso valor, que merecemos realmente trabalhar sem receber um tusto.
O meu amigo desejou-me as «melhores felicidades» e desligou. Na cabeça ficou-me apenas uma pergunta que o mesmo me fez em tom de curiosidade:
- Então e sair do país?

1 de julho de 2013

As iminências da morte

Todos os dias morremos. Morremos mais um bocado. E um bocado de nós morre. Se formos jovens, para algo de novo nascer. Se formos velhos, para nunca mais lembrar. É assim a vida. É assim a morte. E é assim que vivemos para somente morrer. Cabe-nos saber retirar, extrapolar e expulsar da anterior frase, se possível ao pontapé e às cabeçadas, o advérbio que morbidamente a, e nos, assombra. Lutar para que existir não seja apenas um fenómeno da existência – humana, natural ou divina. Alcançar essa tal imortalidade que tanto nos preocupa, mas pelos motivos errados. Motivos esses que, ao longo de 21 séculos de humanidade, e outros demais lá para trás de Cristo, levaram à subjugação, tortura e morte de um mar de ser humanos bem maior do que aquele que Moisés abriu com uma seca pancada do seu cajado.
Todos os dias o imediatismo que nos afoga leva-nos de alguma forma a trepar à superfície para, imóveis, respirarmos um ar puro de letargia. Nunca a solidão e o isolamento nos fizeram tanta falta. Nunca fomos tão rápidos e tão apáticos. Nunca corremos tanto e de olhos fechados. Até ao dia em que esbarramos de frente contra a realidade. E ela nos atira com toda a sua nobre impiedade ao chão. Lá ficamos. Com um esgar de ingénuo cansaço deitamos a cabeça nas mãos e de olhos fechados acordamos. Percebemos que, ainda que novos, a vida não vai para nova. Que morremos. Que tudo morre. Que todos morrem. E nem aí acreditamos na morte. Porque o tal imediatismo que nos submerge faz-nos paradoxalmente acreditar, numa esperança meio pagã, que amanhã também é dia. E que o depois de amanhã dia será.
Hoje, há poucas horas atrás, tive de acreditar. Sentei-me ao lado dela. Encarei-a de lado – porque me faltaram as forças para ajeitar a cadeira e enfrentá-la de frente. Só não a olhei nos olhos porque os olhos já se tinham fechado, ao contrário da boca que semi-aberta permanecia. Imaginei por segundos que dali fosse sair mais alguma das suas eternas pérolas idiossincráticas cheias de uma ternurenta e tão própria má-língua. Quis que voltasse a refilar comigo por ter calças com buracos. Mas até a merda do calor me fez levar calções hoje. Então que dissesse que eram demasiado curtos. Ou demasiado longos. Ou que não tinha feito a barba. E que por isso estava mais parecido com o meu pai. Nunca fomos tão próximos quanto isso, mas já tenho saudades. E amanhã hei-de ter mais. E mais. E mais. Porque mesmo que me tenha sentado ao lado da morte hoje, sozinho, sou mais um que continua sem acreditar nela. Sempre focado que amanhã também é dia. Então amanhã a gente vê-se, avó. Que estejas onde sempre te quiseste. Nós queríamos-te cá. E cá te temos. E teremos.

Isaura Alves de Jesus
16/07/1920 - 01/07/2013

27 de março de 2013

O Cacém chegou ao Teatro

É hoje, dia 27 de Março, Dia Mundial do Teatro, que a décima maior cidade do país sobe a palco pela quarta e última vez. O Cacém torna-se assim, através da voz e do corpo de Rui Catalão, num objecto de estudo sociológico. Um objecto de estudo que é nada mais do que uma colecção de memórias e histórias de infância e adolescência. Histórias essas que o Rui traz para palco num monólogo em tom de diálogo ou, como lhe prefere chamar, num «solo acompanhado». Sentado à volta do dramaturgo, todo o público é uma personagem, um interlocutor, uma parte activa da hora psicológica e superficialmente profunda da “Av. dos Bons Amigos”. Foi lá ao pé que o Rui cresceu, viveu, bloqueou e amadureceu. E foi graças a ela que ganhou a inspiração para honrar a memória de um amigo que o cancro levou debaixo do braço. Esta peça é para ele e também para todos os outros que queiram hoje fazer uma visita ao Teatro Maria Matos, às 21h30.


Texto, Sonoplastia e Produção: Tiago Martins
Ajuda à Produção: Pedro Sá

11 de fevereiro de 2013

"Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio"

Adaptação e interpretação do poema de Ricardo Reis, com música dos Foreign Fields.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçámos as mãos, nem nos beijámos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.




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Ideia e Produção: Tiago Martins
Texto: Ricardo Reis
Música: Foreign Fields