29 de agosto de 2010

Um "Mudasti" a mais no dicionário


Mudasti:
Português, expressão idiomática, o mesmo que “muda de iced tea (trad: muda de chá gelado)”. Imperativo, 2ª pes. sing.. No sentido lato: muda algo na tua vida; evolui; muda as tuas ideias; corta com o passado; persegue os teus sonhos; mantém uma atitude positiva.

É um tema badalado, badalado por demais. Já todos ouviram falar dele e já ninguém encontra mais paciência para tais reptos, para tais discussões "sub-linguísticas" que fazem do nosso dia-a-dia, das nossas conversas e das nossas ideias vocabulares um sem-sentido de trocadilhos, uns espécimes sem qualquer espécie. Confuso? Confuso fico eu ao tropeçar em tanto chorrilho de asneirada e de pontapés na gramática e no léxico que me pertencem, sem nunca me terem sequer pertencido.
Apelidam-se de visionários, de vanguardistas e de justiceiros. Levantam suas cabeças, fazem-se valer dos seus intelectos intocáveis e avançam, país e sociedade adentro, sem medos, sem peneiras e sem vontade de olharem para trás. A maneira como falam transmite calafrios, deixa-nos receosos, mas sedentos de algo mais para o futuro. São eles que têm a coragem de se impor perante todas as verdadeiras injustiças deste mundo para, e de peito bem cheio, gritarem ao universo que, por eles, já chega. Querem algo mais. Querem aquilo que lhes foi roubado. Querem aquilo que a moral e os bons costumes lhes tiraram. Querem hoje ver o sangue daqueles que ontem nunca tiveram a coragem, a audácia e o desfrute de, e com os punhos bem fechados e ávidos de justiça, reclamarem aquilo que sempre foi nosso, mas que nos esconderam. Aquilo que a Humanidade sempre relevou para junto das nossas conquistas, das nossas batalhas e das nossas aventuras...do nosso Portugal!
Mas qual além-mar, qual quê?! A História deste país faz-se debaixo de um sol que nunca teve sequer coragem, com toda a sua bela e forte resplandecência, de ofuscar as nossas cruzadas, as nossas vitórias. Mas até a descoberta e a conquista do mundo nos parece pouco ao lado daquilo que hoje, e depois de tantos séculos de privações, vamos conseguindo erguer juntos. Portugal encontra-se agora, e quem diria (!), em pleno século XXI, como o expoente máximo do esforço colectivo, da beleza exposta numa nação que se desafia e que não arreda pé até conseguir aquilo que quer, aquilo que é seu por direito! Juntos, e desafiando mesmo as memórias que os livros de História nos arrebatam por entre as suas páginas, damos as mãos, afinamos as gargantas e, qual alcateia de ferozes felinos, rugimos aos quatro cantos do mundo aquela máxima que há muito nos tentaram tirar da forma mais vil e cruel possível! Silêncio se faz, mas não mais para cantar o Fado. Hoje gritamos: Mudasti!
E pensava eu que o Acordo Ortográfico e as novas reformulações lexicais não eram, por si sós, problemas suficientes para a minha cabeça e para a minha independência escrita e criativa. Num futuro lá muito ao longe, talvez até nem venham a ser, mas até os limites se limitam a si mesmos e aquilo a que assistimos hoje nas nossas televisões, quase que diariamente, é uma afronta ao verdadeiro significado do "Ser Português", se é que tal conceito ainda existe. Se, por um lado, nos deparamos com a introdução de um novo código linguístico no nosso entrosamento social e, com toda a razão, o associamos a um afrouxamento das barreiras que possam ainda existir entre Portugal e os negócios perpetrados com a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), conceito este que, e no meu entender, sentido não faz, por outro lado, temos o devaneio instintivo e selvagem de uma empresa que se apodera do sentido do Marketing e da Publicidade para cortar cabeças e decepar os membros essenciais desta língua com que brinco desde pequeno e à qual dou o nome de "Português de Portugal".
Se por vezes, e os meus leitores sabem do que falo, primo pela subtileza e ironia, então hoje apago esses mesmos conceitos da minha índole criativa e extravagante e encho a boca para dizer mal destes mesmos atentados que me vou deleitando em observar ao longo dos tempos. Há quem lhe chame "evolução". Eu opto antes por "estupidez" e aponto os meus dedinhos calejados por este mesmo teclado à Nestea por ter tido o desrespeito de tentar "impor uma nova ordem lexical" (tal como referido no site que apresenta devidamente os propósitos desta mesma intervenção publicitária). Dizem eles que Mudasti é de tal forma uma palavra importante que até o próprio "significado já está enraizado na cultura popular portuguesa". Já tinham dado um valente pontapé na gramática, agora dão uma arrebatadora cabeçada na cultura. Por fim, e como se não bastasse, descredibilizam ainda a intemporalidade da nossa língua e a sua capacidade de perpetuação ao longo da História, alegando que "hoje, são imensas as palavras insignificantes, com sentidos imperceptíveis, como 'opidano', 'ingresia' ou 'exaurir' que se mantêm presentes nos dicionários da Língua Portuguesa", motivo esse que permitirá então a qualquer mero mortal, com ou sem massa encefálica, impingir a anexação de uma nova entrada no Dicionário Oficial da Língua Portuguesa. Mas que bem!
Acabo apenas com uma reflexão: se é a liberdade de expressão que me consente esta tão solene crítica a esta mesma empresa incongruente, então seria eu um cidadão irresponsável e inconsciente dos direitos presentes na minha sociedade e no meu país se exigisse ou aconselhasse, assim meio ao de leve, a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) a impor o término destes mesmos anúncios que de crime servem à minha própria liberdade de expressão como a conhecia ainda há coisa de uns meses?
Há que perceber que são pequenos desvarios e delírios como estes que passam por cima do respeito a algo tão grande e essencial como será, neste caso, a nossa língua, as nossas raízes. O Marketing não pode poder tudo. Não.

8 de julho de 2010

Toda uma vida no meio do nada



Saí de casa. Achei, pelo melhor, que talvez um passeio me acalmasse a intranquilidade de espírito. Assim, fiz-me à estrada. Era cedo, demasiado cedo, mas trabalho havia para fazer e muita coisa se mantinha assim por dizer, por falar e por contar. Quis assumir a responsabilidade e dar voz àqueles que se vêem calados, ouvir os que nunca chegaram sequer a emitir um som e compreender todos os que não procuram mais compreensão... isto porque ela nunca chegou e agora, tão simplesmente, já vem tarde.
Encontrei então, na Cova da Moura, uma oportunidade de fazer algo melhor, de tentar chegar mais longe. Roí-me por dentro, fiz-me de forte e avancei: era medo, tudo aquilo que sentia. Era receio de entrar no bairro dito como o mais perigoso em todo o Concelho da Amadora. Era uma espécie de reacção amedrontada e claustrofóbica perante aquela liberdade e alegria que circulava entre todos os seus 6500 habitantes, habitantes esses que me olhavam agora e não me viam, não me entendiam, não sabiam o que queria dali. Em 30 e poucos anos de existência talvez a Cova da Moura nunca tivesse visto um jornalista daqueles à séria, interessados não em dar que falar, mas em falar. Esse era eu, ou pelo menos tentava.
Tinha acabado de entrar e, para mal de todo aquele meu nervosismo que lentamente se ia apoderando desta reportagem, não conseguia manter um fio de raciocínio. Apercebi-me, a certa altura, de que não sabia mais por onde estava a caminhar. Aquele não era o meu sítio, não era a minha história e muito menos seriam as minhas ruas. Não. As minhas ruas não têm graffiti nas paredes. As minhas ruas não albergam pinturas de lembrança e de esperança numa terra prometida...mas nunca conseguida. Não. As minhas gentes não me olham fixamente nos olhos quando me passeio. As minhas gentes não fazem chouriços no meio da estrada. Não. As minhas casas não têm a porta aberta para toda a gente poder entrar. As minhas casas não celebram o espírito da minha cultura fazendo ecoar, alto e bom som, a música tradicional do meu país e do meu povo. Não. A minha história não conta histórias de festas em pleno dia, em plena via pública e em plena paz e união. A minha história não conta histórias de um povo que abandonou a sua terra para agora subsistir através de cabeleireiros, restaurantes e snack-bars. A minha história não conta histórias de um continente que nunca chegou sequer a ter História. Não. Nunca.

Ainda meio perdido, qual peixe fora de água, olhei para as horas e inteirei-me de que estava já um pouco atrasado para a minha primeira conversa do dia. Os jornalistas chamam-lhe, caprichosamente, de entrevista, mas eu continuava a pôr em causa o verdadeiro objectivo desta reportagem, desta história que agora aqui passo a contar. Preferi colocar os meus intervenientes a meu lado, como meus iguais, e não os relevar, no meio dos meus escritos, para meros objectos de estudo. Precisava de ser diferente para uma diferente realidade poder expor. Simples e, ainda assim, complexo.

Depois de algumas indicações gentilmente cedidas por dois moradores e de alguns “bons dias!”, todos eles proferidos em alta escala decibel, envolvendo em si uma simpática e calorosa recepção que eu não esperava, lá consegui chegar à Rua do Vale. No número 17, logo do meu lado direito, erguia-se um vistoso e agradável edifício amarelo, cheio de vida, cheio de gente, cheio de histórias. Dá pelo nome de Associação de Solidariedade Social do Alto Cova da Moura (ASSACM) e guarda em si uma segunda casa para vários miúdos e graúdos residentes no bairro. Inicialmente conhecido como um Clube Desportivo, isto nos anos de 1980 a 1983, rapidamente este simpático imóvel ganhou o reconhecimento devido e passou oficialmente a Associação. Actualmente referenciada como uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) a ASSACM tem como objectivos a promoção da Igualdade, da Formação, do Desenvolvimento, do Desporto, da Cultura e do Recreio, tudo isto de modo a responder às necessidades mostradas pela população local, facilitando assim a sua inclusão ao nível social.

À minha espera tinha já Nuno Antão, um dos responsáveis pela Equipa Coordenadora da ASSACM, que me fez uma pequena, mas detalhada, visita guiada às instalações. Depois de ver a biblioteca, de passar os olhos pelos computadores do Ciberespaço, onde os jovens podem aceder à internet sem quaisquer custos, de observar os mais pequenos a divertirem-se no espaço “Nu Kre Brinka”, um parque infantil construído recentemente em parceria com a fundação Montepio Geral, e de estudar curiosamente o grande e imponente salão de festas, o Nuno informou-me de que a Patrícia Horta, a única Técnica de Reabilitação e Inserção Social na Associação, já me esperava. Entrei então numa das poucas salas que ainda não tinha visto e conheci a minha interlocutora.

A Patrícia já trabalha na ASSACM há mais de cinco anos, conhece bem os cantos à casa e era, por isso, a pessoa ideal para me explicar todo o trabalho idealizado e perpetuado por esta instituição na breve história da Cova da Moura. Enérgica, bem falante e claramente informada e esclarecida sobre tudo aquilo que dizia, referiu a certo ponto, em resposta a uma das minhas perguntas, que a Associação era uma espécie de ATL, “mas que agora se chamam CATL's, Centros de Actividades de Tempos Livres”. Definiu, passo a passo, quais as linhas de trabalho da Associação e falou um pouco sobre todos os seus intervenientes e respectivas funções: “Temos o Sector Administrativo lá em baixo. Depois o Gabinete Técnico, onde está uma Psicóloga, uma Técnica de Reabilitação e Inserção Social, que neste caso sou eu, e dois Técnicos de Serviço Social. Temos depois as salas e em cada sala há um professor de ensino básico e uma auxiliar. Logo a seguir vêm os dois professores de Educação de Infância, para o Pré-Escolar. Temos a Suely, de Psicologia, que é a que está no Centro Local de Acompanhamento à Integração do Imigrante (CLAII); as chefias que também são as mediadoras interculturais; temos o Landim que apoia na parte Administrativa e Contabilística e, por fim, a Éster, na Área da Sociologia, que vai acompanhando diversos projectos e actividades. Tudo isto sem contar com as auxiliares que tratam das refeições e da higiene das instalações”.

Funcionando como “um Centro Comunitário” e trabalhando “em prol do desenvolvimento do Bairro e da sua Comunidade”, a ASSACM trabalha junto de toda a população, sem olhar a idades. No entanto, as suas actividades centram-se, mais especificamente, no “apoio escolar, cujo horário de funcionamento se situa entre as 7h30, funcionando até às 9h”. As crianças são depois deixadas na escola e recolhidas novamente depois das 15h30: “Vamos buscá-los à escola e eles vêm para as nossas instalações. Ficam cá das 15h30 até às 20h. Durante esse tempo têm o lanche, o apoio escolar para os trabalhos de casa, têm actividades desportivas e têm também programas de competências básicas sociais e pessoais.” No entanto, a ASSACM vive, em grande parte, para as crianças ainda mais novas e fora da compreendida idade escolar: “Também temos crianças mais pequenas, os do Pré-Escolar, durante o dia todo. Estas são aquelas que não têm vaga nas creches, isto porque simplesmente não existem vagas”.

Continuei com o meu “bate” de perguntas, sem parar durante um único segundo que fosse, mas a questão das tais vagas não me saía da cabeça. Portugal já se vê a braços com esta situação há muito tempo, mas a problemática começa a ganhar contornos incompreensíveis: “É um problema geral, nacional. Apesar de ser obrigatório o Pré-Escolar, ainda não existem os equipamentos necessários e suficientes que possam apoiar a população necessitada” - contou-me a Patrícia. Não há portanto, e em semelhança a tantos outros casos no nosso país, uma oferta de equipamentos que cubra o normal crescimento populacional. No entanto, este é um problema que se tem vindo a solucionar no bairro graças à intervenção, em parceria, das associações que trabalham no terreno, destacando-se neste caso a ASSACM e o Moinho da Juventude. Quando questionada sobre a importância desta união entre as instituições, para que a dinamização da Cova tenha futuro à vista, Patrícia expôs um facto de ainda maior interesse: “Sim, trabalhamos em parceria. Tanto que até foi criada a Comissão de Bairro. Essa mesma Comissão é constituída por quatro associações: pela ASSACM, pelo Moinho da Juventude, pela Comissão de Moradores, a associação mais antiga, e pelo Centro Social e Paroquial de São Gerardo”.

É em conjunto e de forma solidária que estes “responsáveis” vão trabalhando por um futuro melhor no tal bairro mais problemático do Concelho da Amadora. É em conjunto que atraem, para as suas iniciativas, uma comunidade “com a qual é muito fácil de interagir, pois, ao contrário do que possa acontecer noutros bairros, aqui as pessoas interagem e participam muito”. E é dessa forma que “está, por exemplo, ainda a decorrer o concurso para o Plano Pormenor (PP)”, isto porque os habitantes continuam a insistir na requalificação urbana da zona, em prol do futuro do bairro e em prol das gerações vindouras. O problema é que se trata de um ”processo muito moroso” e que já se vem a arrastar desde a Resolução do Conselho de Ministros, lançada em 2005 e iniciada em 2006. Os governantes vão colocando algumas dificuldades a nível burocrático e todo o processo encontra assim obstáculos ao seu desenvolvimento: “Há algo que não podemos esquecer, nunca: este bairro é considerado um bairro clandestino, isto porque os seus habitantes foram edificando em terrenos que não lhes pertencem, que têm outros proprietários” – refere Patrícia. E é essa mesma questão que tem vindo a prender a Câmara e a dificultar os avanços desta mesma possibilidade de requalificação urbana. Tem-se até vindo a falar na possível expropriação dos terrenos privados da Cova da Moura, isto porque tem sido impossível entrar em contacto com os “verdadeiros” proprietários dos mesmos: “Estamos a falar de 16 hectares e não se reabilita um bairro de um dia para o outro! (...) Agora é esperar e ver como é que corre”.

Em jeito de conclusão, perguntei à Patrícia se ela tinha vindo a notar algumas diferenças fulcrais no bairro, principalmente no que toca à criminalidade. Pensativa, indicou-me de imediato que “elas [as situações] existem”, rematando simultaneamente “que não interferem minimamente com a vida comunitária do Bairro”. Defendeu ainda que existe um policiamento habitual da zona, mas “que a Comunicação Social ‘embicou’ para aqui” e que isso explicará, por sua vez, a contínua e constante mediatização de tudo o que acontece e não acontece no bairro. “A verdade é que uma pessoa entra aqui e sente-se simplesmente à vontade para percorrer qualquer uma destas ruas” - fechou Patrícia.
Se tal era verdade ou não, eu ainda não o poderia dizer. Entrei receoso, mas à medida que o tempo ia passando qualquer coisa ali me dizia que havia uma razão para medos não existirem. A verdade é que pouco tempo tive para sequer poder pensar nisso, pois mal me despedi da Patrícia fui ao encontro do meu segundo entrevistado (termo esse que continuo a não gostar de utilizar).

Desci as escadas e deparei-me então com o Celso Ruivo, um dos vários estagiários a tirar um curso na ASSACM nas férias do Verão. Recebeu-me com um simpático sorriso e conduziu-me até à biblioteca onde falámos durante pouco mais de um quarto de hora. Notei no Celso, desde logo, uma facilidade de diálogo muito interessante. Ainda que tímido, tinha as respostas todas bem na ponta da língua e sabia exactamente o que me dizer. Curto e conciso, mostrou-me que, apesar dos seus 16 tenros anos, almejava já a um futuro certo e cheio de oportunidades.

Celso vive com a mãe e com o irmão numa casa ali mesmo, bem na Cova da Moura. Foi lá que nasceu, cresceu e é lá que quer continuar a viver: “o meu desejo é continuar a viver na Cova da Moura. Sempre!”. Enquanto ajeitava o boné, sempre com a pala para trás, disse-me que estava a acabar o 9º ano e que, durante o período de férias, vinha para a ASSACM trabalhar: “Estou a tirar um curso de Auxiliar de Práticas de Acção Educativa e sugeriram-me vir para aqui, porque é mais perto da minha casa e já conheço as pessoas que aqui trabalham”. Parecia certo, demasiado certo de tudo aquilo que estava a fazer na Associação, e quando lhe perguntei qual a sua principal motivação para ali continuar a trabalhar, riu-se, baixou a cabeça e respondeu-me, sempre com muita calma: “São os miúdos”.

No entanto, Celso mostrou-me lentamente o quão ambicioso era. Parecia querer descobrir o mundo. Tudo bem que a Cova era o seu sítio, o seu lugar, o seu verdadeiro “paraíso”, usando as suas próprias palavras, mas não queria isso dizer que fosse uma “ilha” na qual navegasse para bem longe do exterior ou da realidade: “É óbvio que saio [do bairro]. Não passo a minha vida cá dentro!”. Muito interessado na arte dos motores, rudimentarmente chamada de Mecânica, revelou-me que, para o futuro, estava a pensar vir a tirar “um curso de três anos de Mecânica e simplesmente vir a seguir por esse ramo”. Achei interessante, mas não pude deixar de perguntar em que é que isso se assemelhava ao seu actual trabalho: “O meu trabalho aqui é ajudar os mais velhos a fazerem os seus trabalhos de casa, isto mais à tarde. De manhã estou com os pequenos e com eles é costume desenvolvermos certas actividades, através das quais fazemos o esforço para que possam conhecer alguns instrumentos musicais e tantas outras coisas”. Ou seja, semelhanças, essas, não existiam. Riu-se. Revelou-me apenas que tinha uma enorme paixão por carros: “Sempre gostei de carros, desde pequeno. Sempre gostei de ver pessoas a mexerem em carros e, por curiosidade, gostaria de vir a fazer a mesma coisa”, e quem era eu para questionar tal dedicação? Na vida nem tudo se explica...

Habituado ao contacto com o exterior, disse-me também que nunca tinha mentido acerca das suas origens. Tem orgulho em viver na Cova da Moura e não o esconde de ninguém: “Não tenho de esconder. Não somos todos iguais. Se alguém se meteu no mundo do crime foi por opção...Nada tem a ver com o sítio onde vivo”.

Já quase em altura de despedidas, discutimos os problemas da marginalidade dentro do bairro. O Celso revelou-me que as coisas tinham vindo a mudar para melhor nos últimos anos e que “vários jovens têm vindo a ser encaminhados para os mais diversos cursos”. Na sua opinião esse é um factor de mudança, um factor que vem trazer uma ocupação, um sentido na vida dos mais novos tornando-os assim “mais calmos”.

Pedi-lhe apenas que deixasse umas últimas palavras, palavras que governante nenhum virá algum dia a ouvir, mas que mereciam sair daquela jovem boca, daquele jovem coração: “O que diria?... Bem, que eles [os governantes] não pensem que precisamos de ajuda. Precisamos, apenas, de algum dinheiro para tornarmos a restauração do Bairro possível e pouco mais. A Cova está perfeita”.

Perfeita ou não, a Cova “falava” (!), estranho acontecimento que nunca a Comunicação Social achou por bem me transmitir. “Lá anda-se aos tiros, não se perde tempo com palavras”, pensava eu, estúpida e ingenuamente. Despedi-me do Celso, saí pela porta da frente e virei costas a um dos muitos edifícios construídos, tijolo a tijolo, pela população ali residente. Ali conheci pessoas e ouvi coisas que mudaram a irrisória maneira de me ver no mundo. Afinal há quem viva numa casa totalmente construída por si, mas que não é sua: “pano para mangas”, já dizia a minha avó.

A próxima paragem remetia para a Travessa do Outeiro, mais precisamente para a Associação Cultural do Moinho da Juventude, instituição creditada como Centro de Formação pelo INOFOR (Instituto para Inovação na Formação). Referido como um dos principais pólos evolutivos dentro do bairro, o “Moinho”, como é habitualmente apelidado, nasce de um trabalho informal de animação de crianças, organização de mulheres e luta pelo saneamento básico, nos primeiros anos da década de 80. Ganhando o estatuto oficial de Associação em 1987, esta instituição alberga, em semelhança com a ASSACM, quase uma centena de crianças por dia e cria actividades para mais de 400 jovens, dinamizando um "Centro de Informação Jovem", um "Espaço Jovem", "Círculos de Debates", uma Biblioteca Juvenil, Apoio Escolar para Adolescentes, Cursos de Iniciação à Informática e um Núcleo Desportivo em que participam cerca de 300 jovens nas modalidades de Futebol 5, Basquetebol, Ginástica e Grupos de dança de inspiração africana. Para além de tudo isto cria ainda diversos postos de trabalho e possibilita outras tantas oportunidades de formação, desenvolvendo cursos e estágios, assim como acontece na anteriormente referida ASSACM.

Ao chegar, deparo-me com as inúmeras pinturas infantis espalhadas pelas paredes. Sabe bem ver o mundo marcado pela inocência e criatividade dos mais novos, mas sabe ainda melhor descobrir, lá no meio do tal bairro mais problemático da Amadora, que, à parte de um Portugal que se vai descurando no seu Ensino e na sua Educação, aqui ainda existe uma comunidade que acredita no seguimento, que acredita no amanhã e que luta, com os escassos recursos que tem, por uma vida digna e honesta assente num futuro matreiro e em nada promissor. Soube bem apreciar todas as formas de arte urbana, principalmente o simpático e sempre presente primeiro quinteto do poema de António Gedeão, “A Minha Aldeia”. O “Moinho” criou, do nada, um espaço atractivo, bonito e que serve toda uma comunidade. Mas de onde vem tanta força, tanta inspiração e tanto sentido de mudança e melhoria? Queria ouvir alguém, alguém um pouco mais velho e experiente, alguém que conhecesse a Cova da Moura há largos anos, alguém que tivesse visto os últimos anos, as últimas evoluções e os últimos marcos que se foram desenhando lentamente por entre este acumulado de travessas, ruas e ruelas. Foi com esse propósito que encontrei Ermelindo Quaresma.

Chegado ao “Moinho” subi as escadas azuis que dão para os serviços administrativos e respectivas salas e lá encontrei, sempre de volta do seu fiel computador, a minha terceira conversa, ou entrevista, se assim preferirem. Natural de Cabo Verde, com 37 anos de idade e actualmente a residir em Sete Rios, Ermelindo é um dos vários exemplos perfeitos do imigrante africano que rumou a Portugal por melhores condições económicas, por sede de justiça e democracia, por uma vida digna...por uma vida. Veio para Portugal em 1991, com 19 anos, proveniente de Angola, país onde viveu desde os 10 anos. Em princípios de 1993 chega à Cova, bairro onde habita até 1999, começando, a partir desse ano, a fazer a sua vida noutros locais perto da Linha de Sintra, como seja Queluz. Actualmente, e como foi acima referido, vive num apartamento em Sete Rios com a sua mulher e com os seus três filhos.

Ermelindo veio para a Cova da Moura em busca de uma habitação, queria “arranjar uma casa para morar”. Chega de Angola com o 9º ano e começa a trabalhar na construção civil. Surge entretanto a hipótese de fazer o RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) que lhe dá equivalência ao 9º ano português. Posteriormente chega ainda a fazer um outro RVCC de equivalência ao 12º ano. Quer continuar a estudar e, quem sabe, vir a tirar uma licenciatura: “Foi um sonho meu desde criança, mas depende, e em muito, das condições financeiras”.

Cansado do quotidiano, resolve, a certa altura, abandonar a construção civil e é nessa fase que, através de um emprego temporário, consegue ficar a trabalhar no “Moinho”: “Na altura estava a trabalhar na construção civil e queria mesmo mudar de trabalho. Já frequentava a associação como voluntário desde 1994 e era responsável pelo 1º grupo de Hip Hop. As pessoas do bairro já me conheciam e na altura precisavam de um animador para a sala de informática e eu vim”. É também nessa altura que Ermelindo descobre uma das suas três paixões: a Informática; a segunda remonta para a Acção Social e para a sua experiência no “Moinho”: “Eu trabalho aqui há 6 anos e estou na Área Social. Isto é algo que vou aprendendo dia-a-dia”; e a terceira explode na sua vida quando começa a fazer uns “cursos, tipo Web-design”, passando então o design a fazer parte integrante do seu dia-a-dia e das suas paixões. Quer fazer um curso no futuro, mas por agora contenta-se com um emprego no qual conjuga essas três vertentes: “Aqui lido com pessoas, dou aulas de informática e faço trabalhos de design!”. No entanto anuncia, alto e bom som, que gostava, um dia, de vir a trabalhar por conta própria e que é muito provável que não venha a acabar a sua carreira profissional pela Cova da Moura: “Acho que não me reformo aqui [no bairro], mas desejo ficar até que o processo de requalificação esteja concluído ou até achar que o meu trabalho contribui para as pessoas”.
“Isto já esteve pior, antes só 2 ou 3 ruas é que eram asfaltadas, por exemplo. Agora não. A Câmara melhorou, e em muito, o serviço. Há muitas coisas para fazer aqui e queremos que sejam os moradores a fazê-las, isto porque há muito desemprego e assim damos-lhes oportunidades” – foi desta forma que Ermelindo abordou as possíveis melhorias a realizar na Cova. É preciso integrar os próprios moradores no processo de dinamização do bairro, mas certo será dizer que eles já o fazem, e da melhor forma possível. Prova disso é a capacidade de união e entreajuda entre os habitantes, factor que Ermelindo destacou desde o princípio da nossa conversa: “Se tu precisares de apoio há sempre alguém para te apoiar. Aqui ninguém dorme na rua, nem ninguém passa fome. Podem existir dificuldades financeiras, mas ninguém passa fome”.

Muito ciente das suas opiniões e dos seus pontos de vista, Ermelindo Quaresma, rapper nos tempos livres, encontra uma excepção em toda a concepção geral da Cova, desde a cultura ao comércio: “Toda a parte cultural é muito forte. Os mais velhos por exemplo tocam instrumentos ou músicas que só se ouvem em Cabo Verde ou em São Tomé. As senhoras tocam batuque, há músicos que fazem kizombas, os jovens fazem rap, kuduro, etc. Depois há a comida tradicional africana, os cabeleireiros...há pessoas que vêm de outros bairros de propósito para virem cortar o cabelo aqui! Temos cerca de 50 e tal cabeleireiros aqui! Restaurantes devem ser para aí uns 20 ou 30!”. Sendo verdade o que o Ermelindo me conta e a Cova da Moura representa, assim, um dos pólos comerciais mais importantes no Concelho da Amadora e na zona da Buraca, gerando centenas e centenas de postos de trabalho, de oportunidades de vida. Não se compreende, então, a falta de aposta governamental nesta mesma zona.

No entanto, nem tudo serão rosas. O meu entrevistado compreende que “existem muitos problemas” e destaca, entre tantos, o abandono escolar: “os miúdos são na sua maioria de origem africana, a escola não está muito adaptada para os ensinar e eles já não querem ir trabalhar nas obras como os pais. São portugueses e querem ser vistos de outra forma, não como imigrantes, porque eles nem conhecem Cabo Verde. Querem o devido respeito e dignidade. Querem os mesmos direitos. Mas este abandono escolar também se deve à pouca atenção dos pais, que estão muito ocupados a trabalhar, de sol a sol”. A este factor associa ainda o racismo que, para ele, ainda está bem presente na nossa Sociedade, limitando assim as oportunidades de trabalho que um habitante da Cova da Moura poderia ter fora do seu bairro: “Um exemplo real? Um jovem da Cova foi à procura de trabalho e disse que era daqui. Resultado? Ninguém lhe deu trabalho”.

Consciente das dificuldades que ainda esperam a Cova da Moura, Ermelindo diz apenas que “daqui pode sair um pesadelo ou o futuro e isso depende muito das pessoas que estão cá, do governo local”. E antes de se levantar e abandonar o pequeno e agradável estúdio onde ele também já gravou, há alguns tempos, as suas próprias músicas, deixou, à semelhança de Celso, um apelo a todos os governantes portugueses: “Parem de roubar as pessoas, a ver se os pais conseguem manter os filhos na escola e terem mais tempo para estar com eles. É preciso dar mais atenção aos jovens, perceber o que querem, que pessoas eles querem ser no futuro, dar oportunidade aos jovens para praticarem desporto...uma zona que tenha muitos jovens, tem de ter mais equipamentos desportivos. As escolas estão fechadas, estão viradas de costas para a comunidade, temos aqui equipamento escolar e não o podemos utilizar. Não é preciso gastar muito dinheiro, é preciso é vontade política!”

Ermelindo levantou-se, agradeceu-me e, quase sem me dar oportunidade de recuperar o fôlego após uma discussão de ideias tão acesa e cheia de polémica, entra pelo estúdio de rompante, Teodoro Ribeiro. O meu último convidado vinha tão cansado, como cheio de vida. Com 56 anos e centenas de interessantes histórias por contar, poucas foram as que, infelizmente, tive o prazer de ouvir. Tirou o boné, sentou-se e rapidamente se mostrou interessado em compreender toda esta parafernália de ideias que lhe expunha, toda esta amálgama que viria a compilar numa reportagem, numa história, que poucos iriam ler. Teodoro não se importou. Queria falar, mas, acima de tudo, queria ser ouvido.

Cabo-verdiano de gema, Teodoro foi a única pessoa com quem falei que viu o bairro nascer ali, “bem no meio do nada”. Contou-me, sempre com ar nostálgico, que tinha abandonado a sua antiga terra a 6 de Agosto de 1975, após o 25 de Abril, para “ser português”: “Fi-lo e vim com os meus pais. Na altura nem pagámos nada, porque viemos com a Força Aérea, que tinha como dever aceder e ajudar aos pedidos que existissem para abandono do país”. Chegado a Portugal, foi mais um dos muitos imigrantes a arranjar trabalho na construção civil, sector que não atraía, mas que permitia continuar a pagar as contas: “Nem pensei em coisa melhor na altura [relativamente a emprego]. Uma pessoa vem para cá e o seu objectivo é trabalhar. Nada mais”. E a verdade é que a construção civil foi a única ocupação que as suas fortes mãos conheceram durante cerca de 30 anos. Hoje está reformado por invalidez, graças a uma lesão grave na coluna lombar. Se há conexão entre ambos os factores? Nem Teodoro saberá talvez dizer...

E como teria sido toda a sua adaptação à Cova? Lembrei-me de lhe perguntar, regozijando com a minha própria ignorância: “Quando conheci este sítio, não existiam mais do que umas 3 casas!”. Serviu para perceber que perante mim estava um dos homens que tinha feito tudo aquilo que eu agora parecia admirar, tijolo por tijolo, pedra por pedra, balde por balde. Dessa forma, continuou o seu discurso e explicou-me que fez parte integrante da Comissão de Moradores durante largos anos, tendo entrado quase na sua criação, isto em 1978. E é a partir dessa Comissão, desse discernimento colectivo, desse espírito de união, que a Cova vai, pé ante pé, desenrolando-se e crescendo ao longo de um qualquer monte lá para os lados da Buraca: “Tivemos muita, muita gente que lutou realmente por esta Cova da Moura (...) por isso é que eu digo que todos os habitantes de cá, mesmo sendo da Praia, ou de São Tome, ou da Guiné, ou de Angola, ou de Moçambique, ou de Timor, são para mim como uma família, no geral!”.

Esperançoso por ver avançar, finalmente, o projecto de requalificação urbana do bairro, Teodoro é dos primeiros a assumir que só quer ver a Cova bem e devidamente reconstruída, independentemente dos danos que isso lhe possa trazer: “Estando numa requalificação, se a minha casa tem que sair e não deve pertencer ao ‘novo bairro’, seja para fazer um espaço verde naquela zona, seja para outro qualquer propósito essencial, eu tenho que aceitar. Não resolvo nada não aceitando!”. Tem orgulho nas suas raízes e, para além de tudo, muito orgulho em ter visto este bairro nascer, crescer e “tornar-se grande”. O seu grande sonho é que tudo evolua da melhor forma para que os seus netos um dia “possam crescer aqui”. É isso que Teodoro quer e é isso que Teodoro deixa escapar, meio em tom de despedida, ainda antes de me deixar gravar algumas palavras, tal como fizeram Celso e Ermelindo, encabeçadas aos ouvidos dos nossos governantes nacionais: “Eu pediria que acelerassem a requalificação do bairro, porque só assim teremos um bairro pacífico. Um bairro requalificado é um bairro visível, amplo, com o comércio todo interligado. Não dá para continuar com esta Cova da Moura, totalmente difamada! Espero que os governantes tratem de fazer uma requalificação para breve, porque estamos ansiosos para que tal aconteça”.

Muito mais comedido nas palavras, o meu simpático contador de histórias volta a colocar o boné bem no topo da cabeça, levanta-se da cadeira, deseja-me “muita saúdinha” e, com a mesma conturbada e ágil calma com que entrou no estúdio, assim o abandona. Sai e deixa-me, por fim, a sós com os meus pensamentos.

Fora um dia preenchido, bem preenchido. Havia falado com 4 pessoas incrivelmente interessantes e com umas outras tantas que tiveram sempre um simpático sorriso para me dar. Para além disso, tinha também passado a conhecer e a compreender, em parte, uma realidade que, apesar de tudo, continuava a não ser a minha, a não me pertencer. No entanto, as coisas agora fluíam de maneira diferente. Sentia-me à vontade, sentia-me minimamente seguro ali...sentia-me bem.

Dizia-me o Ermelindo que a verdadeira mudança, essa, tinha que tomar lugar, antes de mais, nas nossas cabeças. Concordei, desde logo, com o que me disse, mas agora parecia realmente querer fazer sentido. Agora sim, fazia sentido que não continuasse a fazer sentido um bairro viver enclausurado na sua própria vivência e ambiente. Agora sim, fazia sentido que não continuasse a fazer sentido que quase 7000 habitantes vivessem, agora e sempre, em casas que, teoricamente, não são suas. Agora sim, fazia sentido que não continuasse a fazer sentido um bairro inteiro esperar por meia dúzia de papéis, recheadinhos de manhas e teias burocráticas, para que a reconstrução e a requalificação do seu património pudesse finalmente tomar lugar. Agora sim, fazia sentido que não continuasse a fazer sentido toda a discriminação ligada à Cova da Moura. Agora sim, eu percebia porque motivo era mais fácil esconder do nosso mundo, das nossas empresas e das nossas ruas estes cidadãos, estas pessoas: no final, eles, no meio de todas as suas limitações históricas e hereditárias, chamemos-lhes assim, têm um sentido de união, de pertença e de luta que nós, meros europeus, meros portugueses, meros ocidentais, talvez nunca venhamos a ter. Eles causam, sem sequer darem por isso, um sentimento de embaraço no “nosso povo” quando comparados os seus esforços com os nossos...eles ficam por cima, ficando, no entanto, sempre por baixo. Que a Comunicação Social vai dando uma ajuda, bem, isso talvez ninguém possa negar. Mas a verdade é que a Cova lá está, talvez mais saudável do que nunca e a caminho daquilo que nós, portugueses nascidos, crescidos e agarrados a Portugal, talvez nunca venhamos a conseguir: uma evolução no sentido do colectivo, no sentido do igual para igual. Uma evolução conjunta.

Saí e fiz-me novamente à estrada. Foi só mais uma história para contar, só mais um passeio que fiz, só mais um dia que vivi, só mais umas quantas vidas que conheci...e bem no meio do nada.


Texto: Tiago Martins
Fotografia: Ana Rita Bernardo

Agradecimentos Especiais:
- Ana Rita Bernardo
- Celso Ruivo
- Ermelindo Quaresma
- Nuno Antão
- Patrícia Horta
- Rita Martins
- Teodoro Ribeiro
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Se vos ficou o interesse nesta mesma reportagem, então por favor façam o download legítimo da mesma. Ao obterem uma cópia original apercebem-se mais facilmente de todo o trabalho envolvido na paginação e no grafismo de todo este artigo.
Espero que esteja do vosso agrado.

18 de junho de 2010

Quando "o" português morre

Já terá o mundo parado para pensar sob que alicerces desempenharíamos todas as nossas funções e complementariedades sociais sem termos a possibilidade de usufruir de uma base cultural forte?
Será justo afirmar que o dia-a-dia da humanidade se destaca pela fruição ou pelo gozo, pelo simples gozo, de se valer e de se reconhecer nos seus escritos, nas suas sonoridades, nas suas palavras, nos seus feitos, nas suas afirmações culturais?
Que integridade encontra um povo, este mesmo povo português, na sua irredutível procura por um nada cheio de muita coisa? O que detém das suas indestrutíveis e corajosas demandas por conquistar significados e conceitos que enalteçam "as armas e os barões assinalados" mundo fora e país adentro?
O que procura o mesquinho português no meio dos seus trocos e das suas gavetas cheias de refugiadas e escondidas memórias? O que quer "ele" quando afirma que construiu parte do mundo, descobriu metade do globo, conquistou um terço dos povos e levou avante a sua língua, o seu aspecto, as suas tradições e, acima de tudo, a sua religião através das valiosíssimas e íntegras Cruzadas?
O que me foge quando tento julgar o meu país, o meu povo, o meu vazio e a minha sensaborona azia de ter tudo na mão e de tudo ter deixado fugir ao longo dos séculos? O que me falta quando me julgo? O que se me esconde quando aponto o dedo àqueles que fazem os possíveis e os impossíveis para recolherem aos seus aposentos, para se refugiarem nos seus estrondosos falhanços e para dormirem bem tapadinhos sob as suas cobertas de prepotente indiferença? Talvez, em perspectiva, me falte aquilo que tenho de sobra: frontalidade.
Impossível será o ser humano encontrar em si uma brilhante capacidade para a aprendizagem, para o reconhecimento do erro e para a consequente tomada de sinceridade no dia-a-dia. Mas fazer dessas condicionantes explicação para a constante apatia pela qual nos arrastamos é desumano. É errado. É inconsequente. É, por fim, aceitável.
Nunca será grande o povo que releva a sua grandeza para o desaparecido, para o simplesmente memorável. Tudo isto se explica porque na memória nem tudo cabe e nos livros de História poucos olhos cabem. E quando findar? E quando nos esquecermos do quão grande fomos? E quando eu não me interrogar mais do porquê de me ser difícil criticar o meu povo? E quando eu tiver orgulho em desdenhar da bandeira que já nem mais à suavidade da brisa se faz dançar? Será aceitável também?
Desapareceu um homem que falava em português, que escrevia em português, que sonhava em português, que se emocionava em português e que vivia em português. Morreu um homem que vivia, do seu modo, Portugal. Quis uma das suas badaladas personagens, um tal Deus, que este fosse espalhar pensamentos, polémicas e verdades inconvenientes entre aqueles que já não vêem, já não ouvem e já não vivem. Existirá, porventura, sofrimento maior do que perpetuar na morte a sofrida jornada de uma vida? Mereceu Saramago escrever para mortos que de forma tão bela e natural se chamam e se fazem passar por vivos?
Terá Saramago "atirado" tão ao lado quando afirmou que perpetua perante os nossos olhos "a paz podre e a apatia geral"? Que erro tão grande comete o homem que vira costas à sua pátria quando a sua pátria faz a diligência de, desde logo, o abandonar? Que fez Saramago? Não foi português? Não falou bem a língua? Não a escreveu segundo os correctos parâmetros? Ou tê-la-á, por outro lado, escrito e falado da melhor forma?...
Qual é a forma mais certa e certeira de se ser nacional? Qual é a equação que nos permite afirmar que Portugal não é mais aquilo que nunca chegou sequer a conseguir ser, sem nos vermos a braços com uma pública ofensa à integridade do nosso país e dos nossos costumes? Ser português será assim tão pesado para que não possamos desprender-nos, por um segundo que seja, das nossas cegueiras e, dessa forma, vermos com os olhos de ninguém aquilo em que nos vamos imprudentemente transformando? Não serei eu português se criticar o meu país, da sua base ao seu todo? Espera-se o desprezo para todos aqueles que querem mais e melhor para um Portugal que ninguém realmente quer? Não terá Saramago sido um verdadeiro português, "o" verdadeiro português, quando cuspiu no prato que não tinha mais orgulho em alimentá-lo? Que tormentas não terá "o" verdadeiro português enfrentado para esquecer aquilo que nunca terá esquecido?...
Um dia levantar-nos-emos das nossas pútridas camas e choraremos por tudo aquilo que exigimos dos outros, mas que nunca chegámos a ter de nós mesmos. Um dia o respeito e o apreço que esperamos de outrem não o encontraremos nem nas nossas gavetas, nem junto dos nossos contados trocos. Um dia talvez tenhamos a dignidade suficiente para nos dobrarmos, mas sempre de cabeça bem levantada, perante um homem que tenha a coragem para dizer o que pensa e o que lhe vai na alma. Um dia encontraremos neste nosso enorme nada uma medida, um ajuste, uma melhoria...e talvez nesse dia notemos que esse mesmo ajuste tinha sido discutido, anos e anos atrás, da forma mais corajosa possível, por um velho calvo e perdido no meio das suas loucas pontuações e devaneios metafóricos.
O homem que procura a discussão, o diálogo e o raciocínio conjunto não procura a destruição do seu país ou do seu povo...talvez procure, em vez disso, preencher um vazio, já por si, tão cheio de nada. Tenhamos primeiro orgulho nos nossos e só depois lhes cuspamos em cima.


A morte engrandece para todo o sempre os para sempre esquecidos

9 de maio de 2010

Benfica sagra-se Campeão Nacional

Cinco anos depois o Benfica volta ao Marquês de Pombal. Com Jorge Jesus a encabeçar uma total transformação em todo o plantel, com Rui Costa a aproveitar ao máximo todos os esforços financeiros e económicos atraindo os maiores nomes e futuros potenciais grandes jogadores e com o ainda presidente, Luís Filipe Vieira, a dirigir um novo ciclo, a dirigir um diferente e novo Benfica, os Encarnados conseguiram assim traçar um novo rumo, um rumo que só poderia ter como grande objectivo, como grande linha de chegada, a conquista do Campeonato Nacional de 2009/2010.
Os Benfiquistas já desesperavam. Não é fácil deixar escapar um 32º título nacional durante quatro anos seguidos, ainda para mais quando esses quatro anos acabam por ser cilindrados - no bom uso da palavra - pelo eterno rival, o Futebol Clube do Porto. Não é nada fácil baixar a cabeça a um Benfica apático, muito translúcido e nada lutador. Não é simplesmente natural, para um verdadeiro Benfiquista, amar um clube que não se quer amado. O Benfica de há uns anos para cá nunca se encontrou. Pior: nunca se quis encontrar. Foi o exemplo perfeito do sempre carismático e louco Sebastianismo: os tempos seguiam, mas continuávamos dependentes e esperançosos pelas vitórias do passado. Não se procurava um caminho por onde seguir, procurava-se um sonho. O problema é que os sonhos sonham-se, não se desenterram.
Já perceberam, por esta altura, que visto de encarnado. Sim, é bem verdade. Sou Benfiquista desde pequeno e desde pequeno que encontrei neste emblema uma outra hipótese de sonho, uma outra hipótese de morrer de amores, de morrer de loucura, pela incerteza inerente a um jogo de futebol, pela certeza de nunca vir a conseguir encontrar nesta instituição, neste clube, um sentimento de total conquista, mas sim, um sentimento de luta, de garra e de total entrega. Isso é para mim o Benfica...um nada que nos nossos pequenos corações forma um berrante e saltitante todo. Tal qual as ditas papoilas que Luís Piçarra cantou um dia a plenos pulmões.
O Benfica mudou, mudou-se e diria, até, que nos mudou a todos um pouco. Quis-se uma nova imagem, mas, acima de tudo, conseguiu-se uma nova atitude, uma nova postura. Os jogadores entravam em campo e o que se via era total dedicação, era amor. Até aqueles que nunca tinham tido o prazer de ouvir ou ver o Benfica por uma única vez nas suas vidas, souberam, em poucos meses, dar não só uma parte de si, mas um todo, um 110%, às esperanças e às lágrimas conjuntas de milhões e milhões de adeptos encarnados pelo mundo fora. O Benfica jogou à Benfica e o povo aplaudiu!
Ao contrário destas tristes tentativas dos Media em arrancarem os materiais possíveis e impossíveis a este tema do dia, eu venho aqui, ao meu simpático espaço de escrita, dizer, afirmar, que não foi o Di Maria, com toda a sua alegria e espontaneidade, nem o Cardozo, com toda a sua resiliência e veia goleadora, nem o David Luiz, com toda a sua garra e inesgotável pulmão, que conseguiram levar a Águia ao primeiro lugar. Não foi Jorge Jesus. Muito menos terá sido Rui Costa, o para sempre ídolo, ou mesmo Luís Filipe Vieira. O Benfica sagrou-se hoje campeão porque fomos, pela primeira vez numa década, um clube, uma paixão, uma união...uma só voz. Voz que, com todo o mérito, conseguiu sobrepor-se às restantes, sempre com talento, técnica e muita beleza à mistura.
O que sabe melhor? "Saber a pouco", palavras de Aimar.

Obrigado, Benfica!


5 de abril de 2010

O "Grego" da Danone

A Danone saiu um dia de casa e pensou para consigo mesma: "A malta já não lambe muito para os iogurtes, pa. Agora os jovens só gostam é de cerveja, sangria e shot's com labaredas. O que há-de, então, uma marca milenar, como eu, fazer? Como hei-de contrariar tal frustrante tendência alcoólica?!" Escusado será dizer que a Danone também já tinha comido a sua considerável conta de sopas de cavalo cansado quando teve a brilhante ideia de trazer ao mundo, nada mais, nada menos, que: O iogurte "Grego"!
Até aqui tudo bem. Era preciso um chamamento! Era preciso um novo produto que despertasse paixões e levantasse a colher de multidões! Era preciso um iogurte que deleitasse bocas e suas associadas línguas! Era preciso um sabor dos deuses! Era preciso uma paixão, uma daquelas de enlouquecer o mais são dos seres humanos! Era preciso o "Grego"! Ó se era, ó se era!
Meu Deus, como esperámos por tal pequeno e delicado boião de vidro! Jesus Senhor, quanta punição aguentámos só para irmos, sem medos, ao "Grego"! Obrigado ó imponentes e sempre omnipresentes analistas, investidores e accionistas da Danone! Que a consistência iogurtica ilumine a vossa emblemática presença e os vossos sempre conjuntos esforços! Hoje há o "Grego"! Há dias em que o mundo ganha sentido, se os há!
Saiu então o "Grego". Saiu com toda a sua força e pujança. Saiu e conquistou. O malandro, com a sua bela textura e interessante cor, piscou logo o olho a tudo o que eram fêmeas malucas pelas dietas e fê-las esquecer o fatídico selo Light, fê-las esquecer o marido que chega tarde a casa, fê-las esquecer os tachos e panelas por lavar, fê-las esquecer o sacana do puto que anda a comer macacos e a levantar as saias às meninas em vez de prestar atenção nas aulas. Esqueceram tudo, tudo isso e, assim, fervorosamente, ele levou-as a si, levou-as ao "Grego"! E como elas gostaram! Como elas gostaram do "Grego"! Mas ele não se ficou por aí. Não! Afinal, era o novo trunfo da Danone. Era o menino de ouro lá do sítio, não lhe bastavam, pois, as donas de casa ou as mães solteiras com dois empregos e turnos extra para dar e vender. Ele queria mais!
Lavou então o boião, penteou preciosamente o seu topo cremoso, escorreu a chata da aguadilha da qual ninguém gosta, ajeitou as simpáticas letrinhas cravadas em relevo no seu vidro, pediu uma caixa de cara lavada e inovadora aos tais dos accionistas e à malta do marketing e lá foi ele, todo gingão, encontrar não quem quisesse um "Grego", mas desafiar mundos e fundos a irem ao "Grego", a precisarem do "Grego" como nunca a história da humanidade havia visto ou escrito nas suas largas páginas de existência. E agora é a criança, é o bebé, é o avô, é o próprio do jovem que já largou a garrafa de litro e meio para botar a colher no tal do vasilhame, sem tara perdida, refira-se, para fazer o favor ao sacaninha do estômago que ronca e pede por alimento. Agora comemos "Grego"! Agora ligamos a televisão e ouvimos "Compre já o novo 'Grego'! É delicioso e ajuda à digestão!". Agora saímos de casa e levamos com uma descarga de "Grego" em cima, espalhado pelas prateleiras dos supermercados, dentro dos frigoríficos das famílias e colado em cartazes, daqueles bem grandes e que dizem "O SEU ANÚNCIO AQUI!".
Leiam isto, meus caros amigos da Danone. Leiam isto com muita atenção e depois respondam à seguinte pergunta: Não seria possível arranjarem uma merda de um nome que não me fizesse pensar em vomitado quando meto uma porra de uma colher cheia de iogurte à boca?!
Obrigado e um bem-haja.

"Danone Grego": O melhor Grego para qualquer Labrego!

4 de abril de 2010

"Let's go to the Punk-Rock show!"

Deixem-me dizê-lo: sabe tão bem fazer barulho!
Nunca fui grande fã de Punk-Rock. Nunca ouvi assim grandes bandas de Punk e admito não possuir grande bagagem cultural relativamente ao estilo em si, propriamente dito. Mas é nesta altura em que me pergunto: "E é preciso?"
Vai para pouco mais de um mês que me juntei a uma banda. Lá encontrei, tal como já esperava, quatro putos, uns anos mais novos do que eu, totalmente desmiolados, desregrados e desorganizados. Pensei que tal projecto acabaria por sair furado. Pensei que não havia bases para chegarmos a um qualquer lado. Pensei mesmo que não tínhamos o que era preciso para algum dia virmos a fazer música, música a sério. A verdade é que ainda não temos, mas já não penso dessa mesma forma.
A verdade é que encontrei nesses quatro putos um bocado da estúpida rebeldia que às vezes nos faz tanta falta durante a juventude, durante a belíssima da puberdade, como os "crescidos" tanto lhe gostam de chamar. Concluí que nunca fui rebelde, que não o sou, que nunca o hei-de ser, mas que é possível ter os meus momentos de contra-ordenarão permanecendo fiel a mim mesmo e dando espaço a um outro irreverente Tiago para pisar este Mundo e explicitar, da forma mais sarcástica possível, a irrelevância que o próprio Mundo tem tantas vezes neste nosso dia-a-dia, nesta nossa vida. E porra, como a música tem essa capacidade de me fazer sentir livre, de me fazer voar sem querer saber de destinos ou sítios por onde parar ou por onde aterrar. A música é uma daquelas poucas coisas tão irreais e simultaneamente verdadeiras que temos o prazer de conhecer ao longo destas nossas curtas existências terrestres. Há que saber beber e degustar cada um dos seus sons, cada uma das suas notas, cada uma das suas pequenas, mas importantes letras, cada um dos seus ritmados versos, cada uma das suas inteligentes rimas e cada uma das suas estruturadas estrofes, uma por uma e todos ao mesmo tempo. É o verdadeiro exponente da loucura e do brilhantismo! E é, também, a verdadeira prova de que são ambos conceitos relacionáveis e em tudo importantes e inerentes à vida humana.
Dia 1 de Abril foi uma pequena prova dessa mesma realidade que vos tento aqui hoje impingir. Os "Bullet in the System" subiram a um reduzido, mas acolhedor palco, encheram-se de coragem, ainda que completamente borrados, e tocaram, apesar dos vários erros, com todo aquela rebeldia, com toda aquela força que a música dispensa explicação. O "Rock in Chiado" ouviu apenas seis músicas, nenhuma delas nossa, tudo covers, mas eu e estes meus quatro "putos" desmiolados ouvimos uma hipótese de futuro. Não um futuro de fama, sexo, drogas ou Rock & Roll, mas um futuro, por si só, ligado a uns quantos acordes, a uns quantos desafinanços e a uma futura união e amizade que o tempo guardará, dê lá por onde der.

Obrigado, Chiado. Tenham uma boa noite.

29 de março de 2010

Sete Dias

Hoje, caros leitores, deixo por aqui um tal de um conto. Foi escrito, mais uma vez, para a cadeira de Técnicas de Expressão do Português, que me anda a dar um trabalho desgraçado, mas curiosamente interessante e até revelador. Acho que tenho algum jeito para a coisa, apesar de, até agora, não fazer qualquer ideia disso mesmo. Sim, senhor!
Chama-se "Sete Dias" e nada tem a ver com a realidade. Não é baseado em ninguém, nem tem como pedra basilar para sua criação um qualquer outro texto ou história. Se não gostarem, aponto os meus galhardetes para esses importantíssimos motivos. Culpem-nos como fiéis leitores e admiradores (ou não) que são. Obrigado.
Acima de tudo, divirtam-se.

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Lá fora chovia. O céu negro ocultava em si a beleza e a luz de um sol, que, outrora contente, brilhava e se dava a mostrar, presenteando todos os mais inertes com um válido motivo para abandonarem as suas camas pelas primeiras horas da manhã.
Nunca chovera tanto. Os últimos anos haviam trazido consigo uma mal-amada seca e essa seca havia trazido consigo o desaire soturno de uma terra agora esquecida e apenas grande nas suas memórias. Mas agora chovia, trovejava e o tecto desta pequena cidade, lá para os lados de Itália, Florença em pormenor, parecia querer cair a qualquer momento sobre as desiludidas e cabisbaixas cabeças que se deixavam afogar no falso descanso que o domingo lhes trazia, com um sorriso amarelo, todas as semanas.
Era cedo e já Genaro estava a pé. Pouco ou nada tinha dormido e tudo porque o olhar dela continuava na sua mente. Ele, que tanto estimava uma boa noite de sono, era agora o homem que fazia companhia às estrelas, escuridão adentro, até chegar a manhã, sempre tímida e, nos últimos dias, nunca acompanhada do seu amante, o tal do sol. Sentia-se tão cansado e tão simultaneamente vivo. Agora sim, haviam motivos. Havia um porquê para sorrir aparvalhadamente, havia um porquê para não dormir, havia um porquê para não comer, havia um porquê para pensar, havia um porquê para viver, havia um porquê para todos os porquês. Não era ela, mas eram os seus longos cabelos, os seus carnudos lábios, as suas redondas bochechas, o seu resplandecente sorriso e o seu arrojado decote, delineando, ao de leve, as linhas mais belas e harmoniosamente violentas que ele já havia conhecido em 25 longos anos de vida. Ó, como a vida havia ganho vida!
Foi ao encontro da pouca luz que o seu quarto já abraçava. Lá, puxou a fita até mais não ser possível e abriu o seu estore para aquele que seria um novo domingo, não só mais um domingo, mas o seu domingo, seu e da sua amada. Despreocupado e entretido com mais uma simples tarefa rotineira, a que a vida obriga, pensou e decidiu que o melhor que tinha a fazer era nunca, nunca mais fechar os seus estores. Mas isso podia muito bem ficar para uma outra vida, afinal, eram já sete horas da manhã e ele não podia dar-se ao luxo de perder 17 mais horas de felicidade. Abstraído por estes pensamentos, nem deu pela entrada, de rompante, no quarto, da sua fiel e sempre disponível Madalena, governanta da família há mais de 30 anos, uma segunda mãe e uma primeira quando a sua verdadeira progenitora gastava as horas ao relógio, passeando-se pelos palcos da aristocracia Florentina:
- Menino, bom dia. – começou lentamente a recém-chegada - Não quis incomodar, peço desde já desculpa, mas a família quis adiantar o funeral. Começa daqui a duas horas. O senhor padre lá aceitou depois de tudo o que aconteceu àquela paz de alma. Não merecia, coitada. Não merecia, é o que lhe digo, menino. Valha-nos Deus, valha-nos nosso Senhor!
- Valha-nos o amor, Madalena. Valha-nos o amor. Deus anda ocupado, deixai-o estar.
- Quando o menino fala assim até se me arrepia a espinha! São lá isso coisas que se digam, Genaro?! Ele ouve! Ele ouve e castiga! Olhe, por exemplo, para esta desgraça. Uma santa, que era o que ela era na verdade, que resolve largar tudo, pais inclusive, para se casar com um qualquer, sabe-se lá bem aonde! Bastou-lhe isso, menino! Bastou a Deus ouvir e saber de tal coisa para deixar aquela frágil vida ir acabar-se no leito de um rio, depois de se despistar daquela ponte e...
- Deixe-se disso, meu simpático despertador! – interrompeu-a Genaro da maneira mais simpática que conseguiu – Já lhe disse que esse tal de Deus tem bem mais o que fazer. E assim tenho eu, também. Tenho de me vestir e nem sei ainda o que levar, para tal sítio.
- Tal sítio?! É um funeral, meu filho! Quer ir como? Obviamente que leva o seu mais caro fraque, porque aquela menina merecia-o. Ela que sempre foi o exemplo perfeito da própria perfeição. Leve o fraque e deixe-se de histórias! Podia não a conhecer assim tão bem, mas as vossas famílias sempre se deram pelo melhor. Ainda foram largos anos de convívio, meu filho. Não tem porque pensar!
- Mas tenho, Madalena. Não deve o meu corpo carregar aquilo que a minha alma não veste.
- Genaro, não gosto nada quando abre a boca para dizer tal tipo de coisas. Compreendo que esteja abalado, todos estamos, mas é um cortejo fúnebre, é um último adeus. Pede preto! Não há lá ninguém feliz, meu pequeno!
- Estarei lá eu. Marcarei presença pelo lado obscuro da felicidade, que tanto tem fugido destas nossas terras, destas nossas paragens. Para o bem ou para o mal, lá estarei. Daí achar que o preto me leva um bocadinho da sinceridade. – afirmou Gerano com um sarcástico sorriso nos lábios.
- O que se passa consigo, meu filho? – questionou Madalena claramente apoquentada - Juro que desde há uns dias para cá não me parece o mesmo. Temo, até, que seja obra do diabo. Saiu na segunda-feira de manhã o meu Genaro e voltou umas quantas horas depois o Demo, com uma debaixo da língua, duas nas mãos e três atrás das costas.
- Ó minha cara Madalena, um dia ainda hei-de descobrir onde vai buscar essa brejeira veia poética. Temo é que hoje não será tal dia, para mal dos meus pecados e das minhas mazelas. Deixe-me então vestir o fraque e fazer-lhe a vontade. A minha alma tratará de iluminar o tom negro desta sobrevalorizada peça de roupa que o Homem um dia resolveu impingir ao mundo. Dez minutos e lá estarei em baixo. – fechou Genaro o assunto, querendo alguns momentos consigo mesmo.
Vestiu-se, não ligando em nada aos pormenores, e fez de tudo para parecer o menos aperaltado possível. Sentia-se mal por se sentir tão bem, por ir a um funeral feliz e contente, mas achava que não seria humano refutar tal estado de espírito. Afinal, ele acabara de descobrir o amor e o amor acabara de os descobrir a ambos, a ele e a ela. Há dias de sorte na vida de um homem.
A única coisa que ainda lhe dava forças para enfrentar aquele malfadado funeral era saber que iria encontrar a sua amada horas depois. Essa certeza transmitia-lhe razões suficientes para desprezar o sentimento de angústia inerente a este tipo de “celebrações” católicas. Faltava tão pouco, mas tão pouco tempo, que os minutos queriam transformar-se em horas e as horas em dias, tal e qual como nos livros chatos e sem qualquer conteúdo cultural que os fingidos intelectuais, novos-ricos, liam antes de irem para a cama.
Choros, gemidos, lágrimas e soluços. Enfrentou tudo isso com a cabeça bem levantada e saiu do cemitério, em direcção ao carro, seguro do seu destino e do seu amor, do amor que ia deter em si, para sempre, daqui a alguns míseros instantes. Faltava já tão pouco!
Entrou no seu companheiro de longas viagens e, sem demoras, fez-se à estrada. Seguiu. Estava já a sentir o aroma do seu perfume, daquele perfume que mulher nenhuma conseguiria em tempo algum envergar, só ela. Seguiu. A sua cabeça explodia num misto de sensações prazenteiras e simultaneamente impetuosas. Seguiu. O seu coração disparava de tal forma que tinha até medo que abandonasse o seu peito e, em tom de vingança pelos anos preso e desprezado dentro de uma prisão de ossos, se entregasse a uma qualquer outra jovem, daquelas muito brancas, muito puras, muito virgens, mas que já não sangram. Seguiu.
Chegou. A chuva persistia, não queria dar tréguas. Ele estava já habituado. A vida tinha sido assim com ele, a partir do primeiro dia em que se conheceu. Desde pequeno que admirava os pássaros e toda a sua coragem para voar para lá do alcançável...nunca ele tinha podido voar. Desde pequeno que sonhava em conhecer novos países, novas gentes e novos costumes...nunca ele tinha conquistado aos seus pais a liberdade necessária para conhecer solo para lá de Itália, de Florença. Desde pequeno que lutava para ser um artista, um escritor, um homem livre na sua plena criatividade...nunca ele tinha conhecido a palavra liberdade para além dos livros e das suas bafientas páginas, nem a criatividade para lá daquilo que os melhores professores em toda a Itália tentavam, sempre em vão, ensinar-lhe. E desde pequeno que se sentava, dia sim, dia sim, numa raquítica cadeira de jardim observando a casa dos seus vizinhos, em frente. A casa não lhe interessava, interessava-lhe, sim, aquela menina.
Esperou 25 longos anos de vida por aquela segunda-feira em que saiu de manhã e voltou um outro homem horas depois. Esperou 25 longos anos de vida para a ter, para se terem. Nunca tinha sido homem que bastasse para enfrentar o que a vida lhe atirava para o caminho, mas agora seria diferente.
Contemplando, debaixo de uma enxurrada incessante de chuva, a ponte onde, quase 24 horas antes, a sua amada deixara a sua alma escapar-se-lhe por entre o leito de um rio que não conhecia seca desde aquela segunda-feira, Genaro resolveu lutar. Prometeu que não seria o mesmo, que não deixaria a vida fugir-lhe. Não.
Seguiu. Chegou. Não era bem aquele o sítio onde eles tinham combinado, sete dias antes, casarem-se para nunca, nunca mais voltarem. Mas ela valia a pena. Afinal, ele havia esperado 25 demasiado longos anos para amar aquela Beatriz. O salto era, apenas, uma questão de curtos segundos.

27 de março de 2010

O "Dia do Estudante" 48 Anos Depois

Quarta-feira foi dia de luta estudantil. Os alunos do Ensino Secundário e do Ensino Superior saíram à rua, mais uma vez, e assim mostraram o seu desagrado para com as actuais políticas educativas que o governo PS tem vindo a desenvolver e a abraçar nestes últimos quatro anos e meio.
Contam-se como reivindicações: o fim das propinas, a restruturação responsável e inteligente do famoso Processo de Bolonha, uma Acção Social Escolar decente e dedicada a abrir portas a todos e para todos, a alteração dos regimes jurídicos e de gestão escolar nos quais os alunos têm vindo a perder gradualmente a voz e a possibilidade de intervenção e, por fim, a anulação dos interesses monetários e capitais que arrastam lentamente o Ensino Superior para um emaranhado de burocracias e privatizações que irão, da forma mais seca possível, transformar a educação não num direito garantido, mas num qualquer outro sector empresarial e de aposta corporativa.
É difícil estudar assim. Aliás, deixem-me corrigir: é difícil querer estudar assim. É difícil pensar que tenho o meu curso garantido e que depende de mim e apenas da minha vontade, do meu esforço, acabá-lo no mínimo tempo possível e saber, simultaneamente, que tantos outros jovens neste país vão de braços caídos e com conhecimentos mínimos às costas para um mercado de trabalho que os despreza e explora desde o primeiro segundo de expediente. Assim custa. O Mundo não vive de salvadores ou de boas acções, não nos iludamos. Mas, e digo-o em tom de desespero, não pode continuar a viver destes individualismos.
Fui, desta vez, e em tom de excepção, um outsider entre os meus colegas e camaradas de luta. Enquanto se gritava alto e bom som, as palavras de ordem do costume, e outras um quanto mais elaboradas e improvisadas, eu ia correndo de um lado para o outro a tentar entrevistar alguém que me dissesse um pouco mais sobre o que ali se passava. Mas eu já sabia, não precisava de mais opiniões. Eu mesmo estava ali a defender os meus direitos. Eu mesmo havia distribuído dezenas de documentos informativos por toda a minha universidade. Eu mesmo tenho sofrido na pele com toda esta "brilhante" desresponsabilização governamental, que, no final, deixa sempre as culpas morrerem solteiras ou nos ombros dos menos espadaúdos, que somos nós, pequenos estudantes. Não gostei da sensação de me estar quase que a infiltrar naquela manifestação, na minha manifestação. Pergunto-me: "Até que ponto me levarás tu, imparcialidade?"
As cordas vocais queriam expulsar toda esta frustração, os braços queriam elevar-se bem no ar para que ninguém os visse no meio de tantas pessoas, no meio de tantos lutadores, e o meu coração, a porra deste meu pequeno coração, queria saltar do peito e agredir veemente todas as barreiras que me têm colocado neste percurso em direcção ao futuro, ao que quero ser e, contrastando, àquilo que "eles" querem que eu seja. Ele queria lutar por mim e por todos nós. Mas o "nós" nunca esteve tão desmembrado como hoje.
No (ultra)passado dia 24 de Março de 1962 os estudantes do Ensino Superior juntaram-se e batalharam, literalmente, por aquilo em que acreditavam. Nunca a Cidade Universitária conheceu cenário tão negro e triste como aquele dia, em que jovens foram presos, espancados e, contam os acertados boatos, mortos pela "grandíssima" polícia de então. Eles queriam igualdade, queriam um ensino para todos, sem olhar a credos, religiões, raças, nacionalidades ou condições socio-económicas. Muita coisa queriam eles e acabaram foi por conhecer o "xadrez" da esquadra mais próxima, lá para os lados de Alvalade, julgo. A sede da PIDE foi a paragem seguinte. Interessante como nada conseguiram, mas mesmo assim, ainda hoje perpetuamos nestes ridículos tempos de apatia a sua memória e a sua coragem.
Agora não. Agora saímos à rua e levantamos a voz em protesto de melhorias, de restruturações e, mesmo assim, grande parte de nós acaba por nem sair. O conforto sabe-nos tão bem e enquanto o mal maior não nos atingir há muito espaço de manobra para contornar as divisas do bom senso e deixar os protestos e as reivindicações para os outros, para os desgraçados. Já ouvi, inclusive, algo tão belo como: "Acabar com as propinas?! Façam isso e levamos logo com a "xungaria" toda!" Pergunto-me se não levamos já...
Tenham juízo, baixem a cabeça, boquinha calada e acabem o curso. Mas amanhã não se queixem...

Deixo, em tom de despedida, um agradecimento especial à fotógrafa com os olhos mais bonitos no ramo.
As fotos são dela, Ana Rita Bernardo. Eu não faço destas coisas.

26 de março de 2010

O Rejuvenescimento Político em Portugal

Consegui.
Foi um mês fodido. Sim, fodido. É a única palavra que me vem à cabeça capaz de descrever o anterior, e por muitos já esquecido, mês de Novembro. Estávamos ainda em 2009, eu andava ainda entretido a desmembrar lentamente o conceito de "Jornalismo" e lembro-me bem que estava, constantemente, um frio de ananases.
Deixemos isso. Quis vir aqui hoje deixar-vos algo. Peço, antes de mais, muitas desculpas pela minha ausência e pela consequente ausência de textos. A universidade é mesmo um bicho de sete cabeças, um daqueles bichos que nos dá vontade de sorrir e sonhar com um futuro cheio de possibilidades e caminhos. Sonhar nunca fez mal, espero eu.
O que vão ler a seguir é uma reportagem de minha autoria escrita para o jornal da minha universidade, a Escola Superior de Comunicação Social. O jornal chama-se "8ª Colina" e sai, imaginem só (!), em associação com o jornal "Público". Sim, com o jornal "Público". É quase a realização de um sonho, de um daqueles sonhos que referi umas linhas acima.
Guardei este post para hoje, porque foi hoje que esse sonho saiu à rua acompanhado de uns tantos mais textos e de uns tantos mais jornalistas com os quais gostaria de vir, quem sabe, a trabalhar um dia destes. A vida tem destas coisas.
Espero sinceramente que gostem.

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Começou um novo ciclo político em Portugal. As eleições legislativas trouxeram consigo a derrota de uma maioria absoluta socialista, assim como o crescimento de certas forças políticas que nunca até hoje haviam conseguido ganhar grande protagonismo na conjuntura parlamentar.
Constantemente acusados de se refugiarem num Mundo de egocentrismo e abstracção pessoal, os jovens tomam hoje as rédeas daquilo que virá a ser o futuro da nossa sociedade. É neles que reside a expectativa de lutar por uma transformação e revitalização de todos os aspectos sociais, políticos e económicos que afectam o dia-a-dia de cada cidadão. A indiferença não é, ainda para mais numa altura em que graves problemas deterioram a consistência da contemporaneidade mundial, uma possibilidade de caminho.
Tomadas de posição precisam-se, assim como se precisa de líderes, ou, se preferirem, orientadores. Fomos, então, à Assembleia da República conhecer as jovens mãos nas quais o país vai estar assente durante os próximos anos. Para tal, tivemos como prestáveis intérpretes Rita Rato, de 26 anos, licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais, funcionária e deputada do PCP pelo Círculo Eleitoral de Lisboa. Michael Seufert, também de 26 anos, mestrando em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, deputado do CDS-PP pelo Círculo do Porto, e ainda António Leitão Amaro, de 29 anos, doutorando em Direito, professor universitário e deputado do PSD por Lisboa. Todos os três mostraram ser o modelo perfeito do jovem português que trabalha hoje por um futuro melhor e que, associado à política, acredita e defende com unhas e dentes aquelas que pensa serem as medidas ideais a tomar a curto e a longo prazo.
Mas até que ponto o posicionamento político não se sobrepõe ao factor idade nas escolhas e nos rumos a tomar? Poderá a política ser o principal problema...político? Rita Rato disse-nos, por exemplo, “que a grande diferença não é entre gerações, mas entre classes sociais”, o que significa que “não é por serem jovens que [os deputados] não estão de acordo, mas sim porque têm uma outra visão.” Isso revela uma tendência claramente preocupante, pois continua a ser deixada para segundo plano a partilha de soluções entre partidos. Então e os constantes problemas que afectam os jovens na educação, no acesso à cultura, no arrendamento jovem, na inserção e no justo aproveitamento no mercado de trabalho?
Quando inquirido sobre a desigualdade no acesso à cultura, António Leitão Amaro referiu que é necessário “haver uma verdadeira pluralidade de vozes” e que os produtos culturais a que o povo tem acesso não podem ser simplesmente escolhidos por “um conjunto de burocratas”, opinião partilhada por Rita Rato. Esta defende também que até hoje “os governos não têm tido uma política cultural integrada”, que se preocupe com a “grande maioria” que, por motivos económicos, não consegue aceder ao mundo cultural.
Já nos aspectos laborais as tendências são outras. Michael Seufert defendeu numa das suas intervenções parlamentares que os jovens portugueses “só querem trabalhar”. Apoia também que “deve haver alguma flexibilização do mercado laboral que permita às empresas organizarem-se de uma forma mais eficaz”, concepção suportada também por António Leitão Amaro, que acusa o Estado de querer “obsessivamente controlar e com isso burocratizar e parar tudo”. Já Rita Rato opta antes por insistir no desrespeito pelos “direitos laborais consagrados”, afirmando que “o que põe em causa o desenvolvimento [económico] não são os direitos laborais, mas a falta desses mesmos direitos”. No fundo pede-se ao Estado que tome uma posição e, acima de tudo, que respeite os jovens trabalhadores e o facto de estes estarem no “início de vida, logo em situação mais vulnerável”, como refere a deputada do PCP. Pede-se tudo isso, mas de formas muito diferentes. De um lado puxa-se ao de leve a corda para a iniciativa privada e para a liberalização do sector económico (CDS e PSD), enquanto do outro se tenta assegurar que o Governo proteja sem quaisquer limitações a classe operária (PCP). O mesmo se passa com as temáticas do ambiente e das obras públicas: as bases propostas parecem algo semelhantes nos três partidos, mas revela-se uma enorme discrepância quando se trata de conceber o envolvimento nessas matérias dos sectores privado e público.
Tira-se, por fim, a ilação de que a renovação e a inovação que os mais jovens podem trazer à realidade política em Portugal é, sem qualquer dúvida, condicionada por uma vasta colecção de complexidades ideológicas que se têm cristalizado ao longo de tempo. A discordância entre ideologias tem de ser vista como algo categórico, isso é certo. Mas quando essa discordância não nos traz nada mais do que debilidade de escolhas e critérios, é necessário que a repensemos para bem da humanidade e do tal amanhã que rebola relutantemente pelas nossas mãos.