22 de janeiro de 2012

Morte de Cesária Évora

A "sodade" volta a Cabo Verde

«Cabo Verde fica mais pobre, da mesma forma que ficou mais rico quando ela nasceu, porque nasceu uma estrela. Uma estrela que brilhará sempre através da sua música». Foi assim que o conterrâneo de Cesária Évora, o músico Tito Paris, encarou a morte da cantora. Cesária, com 70 anos, não resistiu a uma crise de insuficiência cardio-respiratória aguda. Morreu no passado dia 17 de Dezembro, no Hospital Baptista de Sousa, na ilha de São Vicente.
Nascida a 27 de Agosto de 1941, no Mindelo, Cabo Verde, a “Diva dos pés descalços” – como ficou internacionalmente conhecida – conseguiu colocar a cultura e a música do seu país na boca do mundo. Ficou órfã muito cedo, logo aos 15 anos, altura em que, para sustentar a família, seguiu as pisadas do tio, “B Leza”, e começou a cantar em bares. Interpretou, ao longo dos seus 45 anos de carreira, inúmeras coladeras, canções inebriantes escritas para dançar, e ficou reconhecida como a “Rainha da Morna”, o chamado blues cabo-verdiano. Lançou 24 álbuns originais, um DVD – “Ao Vivo em Paris” - e participou em 4 colaborações com artistas de peso. Cantou, encantou e fez a sua voz triste, mas inspiradora, percorrer o mundo.
Mas também no seu caminho se deparou com inúmeros obstáculos e dificuldades. Para além de crescer na pobreza, de se ter visto obrigada a trabalhar em vez de estudar e de nunca ter conseguido constituir família, em 1975, já com 30 anos, Cesária, viu-se obrigada a deixar de cantar para poder sustentar os seus dois filhos. Durante este negro e difícil período da sua vida, que se viria a prolongar por mais de dez anos, a cantora acabou por recorrer incessantemente ao álcool, como se de um refúgio se tratasse. Enquanto Cabo Verde celebrava a sua independência a “Rainha” abandonava os palcos, tornava-se alcoólica e começava a trabalhar noutra área. Felizmente, acabou por lá não ter sucesso.
Afugentou os seus fantasmas e, em 1985, deixa a terra natal para ir para Portugal gravar um disco da OMCV (Organização das Mulheres de Cabo Verde). Começavam a sair entretanto os seus primeiros singles. Meses depois grava o segundo disco, mas é em 1987, que dá o “salto”...literalmente. Enquanto cantava num bar atraiu a atenção de José da Silva, tendo mais tarde combinado com o mesmo partir para França com o intuito de dar a conhecer a sua música ao mundo. Conseguiu e, desde então, pôde sempre contar com José – ou “Djô” – como seu produtor musical e amigo.
Tornou-se uma lenda e a sua morte foi noticiada um pouco por todo o globo. Deixou a sua marca e marcou também o lugar de Cabo Verde na música. E até no seu final de carreira conseguiu ser brilhante. Em 2004 é galardoada com um “Grammy Award for Best Contemporary World Music Album”. Três anos mais tarde é condecorada em França com a Ordem de Cavaleiro da Legião de Honra, enquanto em 2009 recebe a Medalha dessa mesma Legião. Humilde e (ainda) sonhadora morre Embaixadora da boa vontade da Organização da ONU para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Morre feliz. Morre e deixa sodade.