29 de março de 2010

Sete Dias

Hoje, caros leitores, deixo por aqui um tal de um conto. Foi escrito, mais uma vez, para a cadeira de Técnicas de Expressão do Português, que me anda a dar um trabalho desgraçado, mas curiosamente interessante e até revelador. Acho que tenho algum jeito para a coisa, apesar de, até agora, não fazer qualquer ideia disso mesmo. Sim, senhor!
Chama-se "Sete Dias" e nada tem a ver com a realidade. Não é baseado em ninguém, nem tem como pedra basilar para sua criação um qualquer outro texto ou história. Se não gostarem, aponto os meus galhardetes para esses importantíssimos motivos. Culpem-nos como fiéis leitores e admiradores (ou não) que são. Obrigado.
Acima de tudo, divirtam-se.

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Lá fora chovia. O céu negro ocultava em si a beleza e a luz de um sol, que, outrora contente, brilhava e se dava a mostrar, presenteando todos os mais inertes com um válido motivo para abandonarem as suas camas pelas primeiras horas da manhã.
Nunca chovera tanto. Os últimos anos haviam trazido consigo uma mal-amada seca e essa seca havia trazido consigo o desaire soturno de uma terra agora esquecida e apenas grande nas suas memórias. Mas agora chovia, trovejava e o tecto desta pequena cidade, lá para os lados de Itália, Florença em pormenor, parecia querer cair a qualquer momento sobre as desiludidas e cabisbaixas cabeças que se deixavam afogar no falso descanso que o domingo lhes trazia, com um sorriso amarelo, todas as semanas.
Era cedo e já Genaro estava a pé. Pouco ou nada tinha dormido e tudo porque o olhar dela continuava na sua mente. Ele, que tanto estimava uma boa noite de sono, era agora o homem que fazia companhia às estrelas, escuridão adentro, até chegar a manhã, sempre tímida e, nos últimos dias, nunca acompanhada do seu amante, o tal do sol. Sentia-se tão cansado e tão simultaneamente vivo. Agora sim, haviam motivos. Havia um porquê para sorrir aparvalhadamente, havia um porquê para não dormir, havia um porquê para não comer, havia um porquê para pensar, havia um porquê para viver, havia um porquê para todos os porquês. Não era ela, mas eram os seus longos cabelos, os seus carnudos lábios, as suas redondas bochechas, o seu resplandecente sorriso e o seu arrojado decote, delineando, ao de leve, as linhas mais belas e harmoniosamente violentas que ele já havia conhecido em 25 longos anos de vida. Ó, como a vida havia ganho vida!
Foi ao encontro da pouca luz que o seu quarto já abraçava. Lá, puxou a fita até mais não ser possível e abriu o seu estore para aquele que seria um novo domingo, não só mais um domingo, mas o seu domingo, seu e da sua amada. Despreocupado e entretido com mais uma simples tarefa rotineira, a que a vida obriga, pensou e decidiu que o melhor que tinha a fazer era nunca, nunca mais fechar os seus estores. Mas isso podia muito bem ficar para uma outra vida, afinal, eram já sete horas da manhã e ele não podia dar-se ao luxo de perder 17 mais horas de felicidade. Abstraído por estes pensamentos, nem deu pela entrada, de rompante, no quarto, da sua fiel e sempre disponível Madalena, governanta da família há mais de 30 anos, uma segunda mãe e uma primeira quando a sua verdadeira progenitora gastava as horas ao relógio, passeando-se pelos palcos da aristocracia Florentina:
- Menino, bom dia. – começou lentamente a recém-chegada - Não quis incomodar, peço desde já desculpa, mas a família quis adiantar o funeral. Começa daqui a duas horas. O senhor padre lá aceitou depois de tudo o que aconteceu àquela paz de alma. Não merecia, coitada. Não merecia, é o que lhe digo, menino. Valha-nos Deus, valha-nos nosso Senhor!
- Valha-nos o amor, Madalena. Valha-nos o amor. Deus anda ocupado, deixai-o estar.
- Quando o menino fala assim até se me arrepia a espinha! São lá isso coisas que se digam, Genaro?! Ele ouve! Ele ouve e castiga! Olhe, por exemplo, para esta desgraça. Uma santa, que era o que ela era na verdade, que resolve largar tudo, pais inclusive, para se casar com um qualquer, sabe-se lá bem aonde! Bastou-lhe isso, menino! Bastou a Deus ouvir e saber de tal coisa para deixar aquela frágil vida ir acabar-se no leito de um rio, depois de se despistar daquela ponte e...
- Deixe-se disso, meu simpático despertador! – interrompeu-a Genaro da maneira mais simpática que conseguiu – Já lhe disse que esse tal de Deus tem bem mais o que fazer. E assim tenho eu, também. Tenho de me vestir e nem sei ainda o que levar, para tal sítio.
- Tal sítio?! É um funeral, meu filho! Quer ir como? Obviamente que leva o seu mais caro fraque, porque aquela menina merecia-o. Ela que sempre foi o exemplo perfeito da própria perfeição. Leve o fraque e deixe-se de histórias! Podia não a conhecer assim tão bem, mas as vossas famílias sempre se deram pelo melhor. Ainda foram largos anos de convívio, meu filho. Não tem porque pensar!
- Mas tenho, Madalena. Não deve o meu corpo carregar aquilo que a minha alma não veste.
- Genaro, não gosto nada quando abre a boca para dizer tal tipo de coisas. Compreendo que esteja abalado, todos estamos, mas é um cortejo fúnebre, é um último adeus. Pede preto! Não há lá ninguém feliz, meu pequeno!
- Estarei lá eu. Marcarei presença pelo lado obscuro da felicidade, que tanto tem fugido destas nossas terras, destas nossas paragens. Para o bem ou para o mal, lá estarei. Daí achar que o preto me leva um bocadinho da sinceridade. – afirmou Gerano com um sarcástico sorriso nos lábios.
- O que se passa consigo, meu filho? – questionou Madalena claramente apoquentada - Juro que desde há uns dias para cá não me parece o mesmo. Temo, até, que seja obra do diabo. Saiu na segunda-feira de manhã o meu Genaro e voltou umas quantas horas depois o Demo, com uma debaixo da língua, duas nas mãos e três atrás das costas.
- Ó minha cara Madalena, um dia ainda hei-de descobrir onde vai buscar essa brejeira veia poética. Temo é que hoje não será tal dia, para mal dos meus pecados e das minhas mazelas. Deixe-me então vestir o fraque e fazer-lhe a vontade. A minha alma tratará de iluminar o tom negro desta sobrevalorizada peça de roupa que o Homem um dia resolveu impingir ao mundo. Dez minutos e lá estarei em baixo. – fechou Genaro o assunto, querendo alguns momentos consigo mesmo.
Vestiu-se, não ligando em nada aos pormenores, e fez de tudo para parecer o menos aperaltado possível. Sentia-se mal por se sentir tão bem, por ir a um funeral feliz e contente, mas achava que não seria humano refutar tal estado de espírito. Afinal, ele acabara de descobrir o amor e o amor acabara de os descobrir a ambos, a ele e a ela. Há dias de sorte na vida de um homem.
A única coisa que ainda lhe dava forças para enfrentar aquele malfadado funeral era saber que iria encontrar a sua amada horas depois. Essa certeza transmitia-lhe razões suficientes para desprezar o sentimento de angústia inerente a este tipo de “celebrações” católicas. Faltava tão pouco, mas tão pouco tempo, que os minutos queriam transformar-se em horas e as horas em dias, tal e qual como nos livros chatos e sem qualquer conteúdo cultural que os fingidos intelectuais, novos-ricos, liam antes de irem para a cama.
Choros, gemidos, lágrimas e soluços. Enfrentou tudo isso com a cabeça bem levantada e saiu do cemitério, em direcção ao carro, seguro do seu destino e do seu amor, do amor que ia deter em si, para sempre, daqui a alguns míseros instantes. Faltava já tão pouco!
Entrou no seu companheiro de longas viagens e, sem demoras, fez-se à estrada. Seguiu. Estava já a sentir o aroma do seu perfume, daquele perfume que mulher nenhuma conseguiria em tempo algum envergar, só ela. Seguiu. A sua cabeça explodia num misto de sensações prazenteiras e simultaneamente impetuosas. Seguiu. O seu coração disparava de tal forma que tinha até medo que abandonasse o seu peito e, em tom de vingança pelos anos preso e desprezado dentro de uma prisão de ossos, se entregasse a uma qualquer outra jovem, daquelas muito brancas, muito puras, muito virgens, mas que já não sangram. Seguiu.
Chegou. A chuva persistia, não queria dar tréguas. Ele estava já habituado. A vida tinha sido assim com ele, a partir do primeiro dia em que se conheceu. Desde pequeno que admirava os pássaros e toda a sua coragem para voar para lá do alcançável...nunca ele tinha podido voar. Desde pequeno que sonhava em conhecer novos países, novas gentes e novos costumes...nunca ele tinha conquistado aos seus pais a liberdade necessária para conhecer solo para lá de Itália, de Florença. Desde pequeno que lutava para ser um artista, um escritor, um homem livre na sua plena criatividade...nunca ele tinha conhecido a palavra liberdade para além dos livros e das suas bafientas páginas, nem a criatividade para lá daquilo que os melhores professores em toda a Itália tentavam, sempre em vão, ensinar-lhe. E desde pequeno que se sentava, dia sim, dia sim, numa raquítica cadeira de jardim observando a casa dos seus vizinhos, em frente. A casa não lhe interessava, interessava-lhe, sim, aquela menina.
Esperou 25 longos anos de vida por aquela segunda-feira em que saiu de manhã e voltou um outro homem horas depois. Esperou 25 longos anos de vida para a ter, para se terem. Nunca tinha sido homem que bastasse para enfrentar o que a vida lhe atirava para o caminho, mas agora seria diferente.
Contemplando, debaixo de uma enxurrada incessante de chuva, a ponte onde, quase 24 horas antes, a sua amada deixara a sua alma escapar-se-lhe por entre o leito de um rio que não conhecia seca desde aquela segunda-feira, Genaro resolveu lutar. Prometeu que não seria o mesmo, que não deixaria a vida fugir-lhe. Não.
Seguiu. Chegou. Não era bem aquele o sítio onde eles tinham combinado, sete dias antes, casarem-se para nunca, nunca mais voltarem. Mas ela valia a pena. Afinal, ele havia esperado 25 demasiado longos anos para amar aquela Beatriz. O salto era, apenas, uma questão de curtos segundos.

27 de março de 2010

O "Dia do Estudante" 48 Anos Depois

Quarta-feira foi dia de luta estudantil. Os alunos do Ensino Secundário e do Ensino Superior saíram à rua, mais uma vez, e assim mostraram o seu desagrado para com as actuais políticas educativas que o governo PS tem vindo a desenvolver e a abraçar nestes últimos quatro anos e meio.
Contam-se como reivindicações: o fim das propinas, a restruturação responsável e inteligente do famoso Processo de Bolonha, uma Acção Social Escolar decente e dedicada a abrir portas a todos e para todos, a alteração dos regimes jurídicos e de gestão escolar nos quais os alunos têm vindo a perder gradualmente a voz e a possibilidade de intervenção e, por fim, a anulação dos interesses monetários e capitais que arrastam lentamente o Ensino Superior para um emaranhado de burocracias e privatizações que irão, da forma mais seca possível, transformar a educação não num direito garantido, mas num qualquer outro sector empresarial e de aposta corporativa.
É difícil estudar assim. Aliás, deixem-me corrigir: é difícil querer estudar assim. É difícil pensar que tenho o meu curso garantido e que depende de mim e apenas da minha vontade, do meu esforço, acabá-lo no mínimo tempo possível e saber, simultaneamente, que tantos outros jovens neste país vão de braços caídos e com conhecimentos mínimos às costas para um mercado de trabalho que os despreza e explora desde o primeiro segundo de expediente. Assim custa. O Mundo não vive de salvadores ou de boas acções, não nos iludamos. Mas, e digo-o em tom de desespero, não pode continuar a viver destes individualismos.
Fui, desta vez, e em tom de excepção, um outsider entre os meus colegas e camaradas de luta. Enquanto se gritava alto e bom som, as palavras de ordem do costume, e outras um quanto mais elaboradas e improvisadas, eu ia correndo de um lado para o outro a tentar entrevistar alguém que me dissesse um pouco mais sobre o que ali se passava. Mas eu já sabia, não precisava de mais opiniões. Eu mesmo estava ali a defender os meus direitos. Eu mesmo havia distribuído dezenas de documentos informativos por toda a minha universidade. Eu mesmo tenho sofrido na pele com toda esta "brilhante" desresponsabilização governamental, que, no final, deixa sempre as culpas morrerem solteiras ou nos ombros dos menos espadaúdos, que somos nós, pequenos estudantes. Não gostei da sensação de me estar quase que a infiltrar naquela manifestação, na minha manifestação. Pergunto-me: "Até que ponto me levarás tu, imparcialidade?"
As cordas vocais queriam expulsar toda esta frustração, os braços queriam elevar-se bem no ar para que ninguém os visse no meio de tantas pessoas, no meio de tantos lutadores, e o meu coração, a porra deste meu pequeno coração, queria saltar do peito e agredir veemente todas as barreiras que me têm colocado neste percurso em direcção ao futuro, ao que quero ser e, contrastando, àquilo que "eles" querem que eu seja. Ele queria lutar por mim e por todos nós. Mas o "nós" nunca esteve tão desmembrado como hoje.
No (ultra)passado dia 24 de Março de 1962 os estudantes do Ensino Superior juntaram-se e batalharam, literalmente, por aquilo em que acreditavam. Nunca a Cidade Universitária conheceu cenário tão negro e triste como aquele dia, em que jovens foram presos, espancados e, contam os acertados boatos, mortos pela "grandíssima" polícia de então. Eles queriam igualdade, queriam um ensino para todos, sem olhar a credos, religiões, raças, nacionalidades ou condições socio-económicas. Muita coisa queriam eles e acabaram foi por conhecer o "xadrez" da esquadra mais próxima, lá para os lados de Alvalade, julgo. A sede da PIDE foi a paragem seguinte. Interessante como nada conseguiram, mas mesmo assim, ainda hoje perpetuamos nestes ridículos tempos de apatia a sua memória e a sua coragem.
Agora não. Agora saímos à rua e levantamos a voz em protesto de melhorias, de restruturações e, mesmo assim, grande parte de nós acaba por nem sair. O conforto sabe-nos tão bem e enquanto o mal maior não nos atingir há muito espaço de manobra para contornar as divisas do bom senso e deixar os protestos e as reivindicações para os outros, para os desgraçados. Já ouvi, inclusive, algo tão belo como: "Acabar com as propinas?! Façam isso e levamos logo com a "xungaria" toda!" Pergunto-me se não levamos já...
Tenham juízo, baixem a cabeça, boquinha calada e acabem o curso. Mas amanhã não se queixem...

Deixo, em tom de despedida, um agradecimento especial à fotógrafa com os olhos mais bonitos no ramo.
As fotos são dela, Ana Rita Bernardo. Eu não faço destas coisas.

26 de março de 2010

O Rejuvenescimento Político em Portugal

Consegui.
Foi um mês fodido. Sim, fodido. É a única palavra que me vem à cabeça capaz de descrever o anterior, e por muitos já esquecido, mês de Novembro. Estávamos ainda em 2009, eu andava ainda entretido a desmembrar lentamente o conceito de "Jornalismo" e lembro-me bem que estava, constantemente, um frio de ananases.
Deixemos isso. Quis vir aqui hoje deixar-vos algo. Peço, antes de mais, muitas desculpas pela minha ausência e pela consequente ausência de textos. A universidade é mesmo um bicho de sete cabeças, um daqueles bichos que nos dá vontade de sorrir e sonhar com um futuro cheio de possibilidades e caminhos. Sonhar nunca fez mal, espero eu.
O que vão ler a seguir é uma reportagem de minha autoria escrita para o jornal da minha universidade, a Escola Superior de Comunicação Social. O jornal chama-se "8ª Colina" e sai, imaginem só (!), em associação com o jornal "Público". Sim, com o jornal "Público". É quase a realização de um sonho, de um daqueles sonhos que referi umas linhas acima.
Guardei este post para hoje, porque foi hoje que esse sonho saiu à rua acompanhado de uns tantos mais textos e de uns tantos mais jornalistas com os quais gostaria de vir, quem sabe, a trabalhar um dia destes. A vida tem destas coisas.
Espero sinceramente que gostem.

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Começou um novo ciclo político em Portugal. As eleições legislativas trouxeram consigo a derrota de uma maioria absoluta socialista, assim como o crescimento de certas forças políticas que nunca até hoje haviam conseguido ganhar grande protagonismo na conjuntura parlamentar.
Constantemente acusados de se refugiarem num Mundo de egocentrismo e abstracção pessoal, os jovens tomam hoje as rédeas daquilo que virá a ser o futuro da nossa sociedade. É neles que reside a expectativa de lutar por uma transformação e revitalização de todos os aspectos sociais, políticos e económicos que afectam o dia-a-dia de cada cidadão. A indiferença não é, ainda para mais numa altura em que graves problemas deterioram a consistência da contemporaneidade mundial, uma possibilidade de caminho.
Tomadas de posição precisam-se, assim como se precisa de líderes, ou, se preferirem, orientadores. Fomos, então, à Assembleia da República conhecer as jovens mãos nas quais o país vai estar assente durante os próximos anos. Para tal, tivemos como prestáveis intérpretes Rita Rato, de 26 anos, licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais, funcionária e deputada do PCP pelo Círculo Eleitoral de Lisboa. Michael Seufert, também de 26 anos, mestrando em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, deputado do CDS-PP pelo Círculo do Porto, e ainda António Leitão Amaro, de 29 anos, doutorando em Direito, professor universitário e deputado do PSD por Lisboa. Todos os três mostraram ser o modelo perfeito do jovem português que trabalha hoje por um futuro melhor e que, associado à política, acredita e defende com unhas e dentes aquelas que pensa serem as medidas ideais a tomar a curto e a longo prazo.
Mas até que ponto o posicionamento político não se sobrepõe ao factor idade nas escolhas e nos rumos a tomar? Poderá a política ser o principal problema...político? Rita Rato disse-nos, por exemplo, “que a grande diferença não é entre gerações, mas entre classes sociais”, o que significa que “não é por serem jovens que [os deputados] não estão de acordo, mas sim porque têm uma outra visão.” Isso revela uma tendência claramente preocupante, pois continua a ser deixada para segundo plano a partilha de soluções entre partidos. Então e os constantes problemas que afectam os jovens na educação, no acesso à cultura, no arrendamento jovem, na inserção e no justo aproveitamento no mercado de trabalho?
Quando inquirido sobre a desigualdade no acesso à cultura, António Leitão Amaro referiu que é necessário “haver uma verdadeira pluralidade de vozes” e que os produtos culturais a que o povo tem acesso não podem ser simplesmente escolhidos por “um conjunto de burocratas”, opinião partilhada por Rita Rato. Esta defende também que até hoje “os governos não têm tido uma política cultural integrada”, que se preocupe com a “grande maioria” que, por motivos económicos, não consegue aceder ao mundo cultural.
Já nos aspectos laborais as tendências são outras. Michael Seufert defendeu numa das suas intervenções parlamentares que os jovens portugueses “só querem trabalhar”. Apoia também que “deve haver alguma flexibilização do mercado laboral que permita às empresas organizarem-se de uma forma mais eficaz”, concepção suportada também por António Leitão Amaro, que acusa o Estado de querer “obsessivamente controlar e com isso burocratizar e parar tudo”. Já Rita Rato opta antes por insistir no desrespeito pelos “direitos laborais consagrados”, afirmando que “o que põe em causa o desenvolvimento [económico] não são os direitos laborais, mas a falta desses mesmos direitos”. No fundo pede-se ao Estado que tome uma posição e, acima de tudo, que respeite os jovens trabalhadores e o facto de estes estarem no “início de vida, logo em situação mais vulnerável”, como refere a deputada do PCP. Pede-se tudo isso, mas de formas muito diferentes. De um lado puxa-se ao de leve a corda para a iniciativa privada e para a liberalização do sector económico (CDS e PSD), enquanto do outro se tenta assegurar que o Governo proteja sem quaisquer limitações a classe operária (PCP). O mesmo se passa com as temáticas do ambiente e das obras públicas: as bases propostas parecem algo semelhantes nos três partidos, mas revela-se uma enorme discrepância quando se trata de conceber o envolvimento nessas matérias dos sectores privado e público.
Tira-se, por fim, a ilação de que a renovação e a inovação que os mais jovens podem trazer à realidade política em Portugal é, sem qualquer dúvida, condicionada por uma vasta colecção de complexidades ideológicas que se têm cristalizado ao longo de tempo. A discordância entre ideologias tem de ser vista como algo categórico, isso é certo. Mas quando essa discordância não nos traz nada mais do que debilidade de escolhas e critérios, é necessário que a repensemos para bem da humanidade e do tal amanhã que rebola relutantemente pelas nossas mãos.

9 de março de 2010

Conversa de "Merda"

Minha gente! Paira hoje aqui um texto sobre a palavra "Merda". Foi escrito para a caríssima cadeira de Técnicas de Expressão do Português. Achei interessante revelar o contexto. Ora, divirtam-se!

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Sempre me indaguei sobre os juízos de valor que nós, seres humanos, tiramos das palavras. Como é que ligamos tanto, mas tanto, a um execrável magote de letras e tão pouco, ou mesmo nada, às acções? Afinal o que é que perpetua nesse jogo entre tempo e memória? O que fica realmente para ser recordado? O simples som ou o desatinante gesto?
Perdemo-nos em banalidades quase que diariamente. Se me levantar num transporte público e disser alto e bom som a palavra “merda” sou um malcriado, um jovem sem qualquer educação. Um malandro! No entanto, e se em tom de simpatia, me levantar e disponibilizar o meu lugar, ainda quente, a uma senhora que já trata o tempo por “tu”, sou apenas um moço gentil, mas que passou despercebido no meio de toda aquela gente. O ponto a sublinhar é a irrelevância que as palavras deveriam ter nesta ainda maior irrelevância que é, por si só, a vida.
Optei pela palavra “merda” porque desesperei. Tive medo de fazer sentido e cair na maçadora teia da previsibilidade. Seria uma chatice vir para aqui debitar conceitos, que nem um senhor da razão, sobre a palavra “objectivo”, ou sobre a palavra “destino”, ou, e esta é a melhor, sobre a palavra “amor”. Porque não desafiar então as leis e, tal e qual um puto na fase da puberdade, desatar a falar sobre nada mais, nada menos do que “merda”? O que pode ser pior que isso? Muita coisa. E o que pode ser melhor? Muita coisa, também. A piada reside aí, perceba-se. Ou sai uma grandíssima “merda” ou uma “merda” espectacular e digna de figurar num daqueles livros dementes do Nuno Markl ou do Nilton. Nunca têm piada ou pontinha por onde se pegue, mas a malta compra.
O giro deste texto é que ninguém o vai comprar. O mais giro será mesmo o facto de que, se pudesse ser comprado, ninguém o faria, nem com uma valente “borracheira” em cima. Ora aí está uma outra excelente palavra: “borracheira”. O problema é que eu vou dar sempre ao mesmo. Ou fica uma valente “merda” ou então foi um texto escrito num claro momento de, lá está, “borracheira”. Sim senhor! A criatividade dá para tudo, até para apelidar o autor de doidivanas e leviano. Mas não percamos mais tempo por aqui, até porque escrever um texto sobre a bela noção de “leviano” dava-me pano para mangas, mas não me sinto assim, de momento, tão “emborrachado”.
Tão bom que é começar um texto e saber logo a nota que vou dignamente receber como avaliação. Mereço a admiração e o devido respeito por adiantar trabalho e escrever, mesmo na capa, e em letras garrafais, o parecer respectivo e consequentemente retraído que o docente vai ter após a leitura destas palavras. “Bem...mas que grande merda!”, pensará ele. Eu penso em tudo, em tudo mesmo. Tanto penso que acabo por me lembrar que, no final, seria justo perdurarem os actos e nunca as palavras. Dessa forma eu teria o espaço e a possibilidade de ser olhado como um louco, mas cheio de boas intenções, claro está! Se tal não se der, serei apenas julgado como um valente preguiçoso, que numa valente onda de preguiça, optou por escrever um valente texto de “merda”. Olha que bem!
Resta-me apenas dizer que a língua portuguesa não me chega. É como um beijo, nunca nos ficamos por lá, é mais forte do que nós! No final, eu preciso é de algo que me desafie. Preciso, qual célere paixão de Verão que nos desperta os sentidos, de um grito que me acorde e que me dê força para levar este tórpido corpo para a frente. Preciso de um valoroso “Deixa-te de merdas!” para me conseguir...para conseguir, no final, nem sei bem o quê!
E nunca a palavra "merda" ganhou tanto sentido na história da língua!

8 de março de 2010

Portugal e a Greve Geral

Deu-se no passado dia 4 de Março, quinta-feira, a grande Greve Geral dos trabalhadores da Função Pública. Os congelamentos salariais, as alterações ao regime de aposentação, a má aplicação do SIADAP (Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública) e a manutenção de um regime de mobilidade especial são os motivos que estão na base do descontentamento dos trabalhadores e que os levaram a adoptar a Greve como forma de luta.
Escolas pararam, universidades funcionaram a meio-gás e dezenas de serviços públicos estiveram inactivos durante mais de 24 horas, já que os trabalhadores da recolha de lixo abandonaram os seus postos às 22 horas do dia 3, assim como os funcionários do Hospital de São José que optaram por "encerrar o expediente" pouco depois, às 23 horas.
Saí então à rua. Impossível seria não sair, até porque a primeira coisa que vi mal liguei a televisão nessa bela manhã, ainda com olhos ramelosos, foi a atitude desprezível e revoltante de um agente da autoridade, que insultava, alto e bom som, todos os grevistas que estavam à porta do São José na noite anterior. Havia algo a fazer e, acima de tudo, algo a mostrar. Quis então dar o meu parecer, expor, segundo os olhos de um jovem jornalista, aquilo que se passou realmente na área metropolitana de Lisboa em consequência desta greve. Ganhei coragem e, munido de máquina fotográfica, gravador, caneta e bloco de notas, avancei sobre essas ruas que Pessoa e tantos outros poetas um dia cantaram. Porra, como adoro a simplicidade desta profissão!
Queria conquistar um lado mais humano para a história, um lado que mostrasse o nosso pequeno Portugal e os seus pequenos portugueses, nós. Optei por ouvir e dar a conhecer as opiniões de todas as pessoas que, simpaticamente, me disponibilizaram algumas palavras em bem de algo que não lhes dizia o mínimo respeito. Soube-me bem, posso desde já acrescentar.
A "Loja do Cidadão", nos Restauradores, foi a primeira paragem do dia. Eram 14h30 e Lisboa passeava-se debaixo de um sorridente, e nada tímido, sol. Entrei e deparei-me com o habitual cenário caótico: filas por todos os lados, cadeiras totalmente ocupadas e utentes a dormir, vencidos pelo monstro da espera e da exaustão. Com quatro simples perguntas, previamente definidas, dirigi-me a uma senhora, que, tal como tantas outras, esperava a sua vez para ser atendida. Rapidamente me apercebi, por entre as suas inocentes mas determinadas palavras, que se tratava de uma imigrante, apesar de não me arriscar a determinar o seu país de origem. Nunca tive muito jeito com sotaques ou pronúncias, entenda-se. Meio atrapalhada, por não conhecer os principais motivos para a paragem dos trabalhadores da Função Pública, disse-me apenas que não tinha "motivos de queixa" e que tudo estava a "funcionar devidamente". Quis deixar também, um pouco em tom de discórdia, a sua incompreensão para com todos aqueles que, mesmo informados pela Comunicação Social na véspera, resolveram deslocar-se à referida Loja para tratarem dos seus assuntos e papeladas. "Foram informados. Já se esperava esta paragem".
Agora, o que eu realmente não esperava, de todo, era uma homogeneidade quase que total em todas as respostas que obtive. Foi algo assim do género: "Não tenho conhecimento de nenhuma greve!"; "Nem sabia que estávamos em greve!"; "Nem sei o porquê dos funcionários públicos terem parado hoje!". Preocupante? Até a própria imparcialidade me permite dizer que sim.
Vivemos, ao que parece, num país com graves défices de atenção, mas que tem sempre uma qualquer resposta debaixo da língua. Chama-se, se me perguntarem, "ratice". Digo isto porque, ora não sabemos, ora pouco nos interessa, mas temos sempre um parecer definido e pronto a debitar. Ou levava com um "não concordo nem discordo desta paragem", noção claramente vaga, ou com um "não concordo com greves em circunstância alguma! É a trabalhar que se resolvem os problemas e não a fazer férias forçadas", conceito questionável, mas sempre presente na mente de muitos portugueses, como era o caso de mais uma senhora, que não hesitou em assim me responder. "Esta batalha já a perdi", pensei eu. Cheguei mesmo a balbuciar um "este povo não me diz pão!". Mas lá ganhei juízo, arrumei a tralha e meti-me a caminho do Departamento de Segurança Social no Saldanha.
Cheguei e fui imediatamente envolvido, ainda que de mansinho, por um sentimento nada jornalístico. Estava a aperceber-me da real paragem dos serviços. Começava a inteirar-me de que não era só fogo de vista, afinal o sector público tinha parado mesmo. E, raios, sentia-me contente por ver alguma união entre trabalhadores. Mas eram já 15 horas e o tempo continuava a não me querer fazer o favor de parar, nem por um bocadinho.
De gravador em riste, e que nem um simpático intruso no meio daquelas poucas pessoas, resolvi falar com algumas. Perguntas semelhantes, descontracção óbvia...cada vez mais óbvia. Comecei a observá-las e a tentar recolher nos seus actos e palavras soltas uma possibilidade para as conhecer e para conhecer o que pensavam sobre o "tal" tema. Achei intrigante, logo de início, o facto de uma jovem, com alguns anos a mais do que eu, me ter vetado a possibilidade de a entrevistar visto não estar no país "há mais de três meses". Intrigante porquê? Porque no exacto minuto anterior levantou a sua monocórdica voz, a mesma com que me deu um "não", para se insurgir contra a demora nos serviços, demora essa provocada pelo monstro da greve, que, diga-se de passagem, nunca nos cai nada bem nas horas de almoço. Falei depois com outra imigrante, que não teve problema algum em revelar-me a sua ignorância quanto ao assunto, mas que insistiu em dizer-me, por várias vezes, que "estava tudo normal e a funcionar muito bem".
A minha cabeça já não encontrava um único ponto de concordância, no meio de tanta opinião, e ainda ficou mais confusa após falar com um quinquagenário, este de nacionalidade portuguesa. Tentei encontrar algo de novo nas suas palavras, mas soou-me ao mesmo. Àquele mesmo que ouvimos nos cafés, nos transportes, na rua...o "Tuga". E só eu sei o quanto odeio recorrer a essa mesma expressão, portanto apreciem o meu claro desespero. “Se por tudo e por nada se faz uma greve e há trabalhadores que querem trabalhar e os piquetes não deixam, algo está mal!”, foram as suas palavras. Aquele mesmo homem que tentava roubar do senso comum algumas respostas para de bandeja me as dar, estava agora a questionar, de forma muito séria, as metodologias dos sindicatos e seus filiados. A experiência ter-me-ia dado a possibilidade de lhe responder à letra, sem tirar nem pôr, mas segui o guião e fiquei-me pelo simples, o que admito ter sido tarefa complicada. Queria sair dali o mais rapidamente possível, o ar começava a parecer-me rarefeito e estava com medo de ser interpelado por um segurança a qualquer momento. Mas a frustração de me ter calado perante a resposta referida acima só me deu força para avançar para um balcão, o único ocupado por um funcionário, e, mesmo sem senha ou autorização, entrevistar uma das únicas trabalhadoras ali presentes. Em rápida conversa, e mostrando algum interesse em responder às minhas perguntas, explicou-me que nenhum serviço havia sido "devidamente reposto", mas que, mesmo assim, ninguém se podia queixar de atrasos. Acabou, seca e concisa, dizendo que não fazia greve porque "o ordenado não chega para isso". Saí. Estava mais que na hora de ir à Avenida dos EUA ver como se encontrava o movimento de utentes, novamente na Segurança Social.
Eram já 16 horas, arredondando números, e, mesmo não percebendo muito bem porquê, fui mal recebido. Mal me identifiquei como "jornalista", a expressão do segurança que me interrogava mudou. Já sabia qual era a sua resposta, mas mesmo assim fez questão de me dizer a tão conhecida frase de recusa neste nosso país: "Não tenho autorização hierárquica para o deixar entrar". "Deixa estar, miúdo!", tentei reconfortar-me. Virei costas, e, de cabeça sempre bem levantada, senti-me orgulhoso pelo serviço público que estava a prestar ao meu país...ou a mim mesmo. Não sei quem me lê, nem se me lêem e, muito sinceramente, pretendo continuar a escrever e a tentar passar a minha mensagem, seja ela qual for.
Depois de ter sido simpaticamente desprezado pelas sedes sindicais da CGTP e UGT, à qual agradeço, apesar de tudo, por me ter enviado um documento oficial com os primeiros números da adesão à greve, que adianto, desde já, terem rondado os "75% e os 80%", dirigi-me, finalmente, ao Hospital de Santa Maria, junto à Cidade Universitária. Cheguei lá já perto das 18h30 e senti que havia perdido a minha hipótese de reportagem no local. Utentes nem os vi...restava-me apenas entrevistar algumas funcionárias que tinham optado por ir trabalhar.
Contrariando o que parecia ser já habitual neste meu dia, ou seja, um mar de respostas vagas, todo ele desejoso de me ver afogar nesta incerteza de conseguir ou não uma boa reportagem, meti-me à conversa com duas simpáticas e acessíveis trabalhadoras. Senti convicção e verdade nos seus depoimentos e descobri, simultaneamente, que aquele sentimento do qual falei acima, da união entre trabalhadores, talvez não estivesse assim tão presente, pelo menos na mente destas duas senhoras. A primeira disse-me: "Concordo com os motivos de greve dos meus colegas, mas optei por não aderir. Fiz sempre greves, até hoje, e não acho justo perder um dia de trabalho quando há colegas que continuam a não querer aderir a este tipo de iniciativas”. Fiquei triste por ouvir tal coisa, mas achei que seria só mais uma opinião. Tal pensamento simplório desapareceu quando me desloquei até à saída do mesmo hospital e ouvi, da boca da segunda funcionária, que havia tomado a decisão de não aderir à greve, pois tinha "medo de repercussões a nível laboral", visto ser uma contratada e não fazer parte dos quadros.
Ser jornalista tem destas coisas. Ontem pensava, meio que soterrado no meu Mundo, que há sempre um lado bom e um lado mau. Neste tipo de casos, o lado mau seria sempre o patronato e o Governo, ambos em associação mútua, e o lado bom seriam, sem qualquer dúvida, as plataformas sindicais. A verdade é que tanto quis sair para a rua, tanta vontade me deu de dar voz àqueles que nunca a têm, que acabei por me desmembrar em todo o tipo de conclusões. Destaco uma: Mais importante do que encontrar "lados" é encontrar respostas para o povo, para esta sociedade. Não quero acabar de forma previsível e dizer que Portugal está muito mal e que é preciso mudar. Não são precisas reportagens para se perceber isso. São precisas reportagens, sim, para se perceber que, enquanto sindicatos e governo lutam taco a taco para ver quem mais terreno conquista, as pessoas continuam à espera. Esperam por uma resposta, por uma melhoria nas suas vidas, há até as que esperam por uma vida...e ela não chega. Estes tubarões guardam as respostas para os seus debates políticos, para as suas tomadas de posse e para os seus confrontos frente-a-frente e nós esperamos. A espera é até secundária, o que preocupa é a incapacidade, cientificamente provada, que o ser humano tem em esperar por algo. Necessitamos de algo que nos ocupe, que nos mate o tempo e que não nos faça desesperar. E aí entra a futilidade. Aí entra a preocupação constante com todas aquelas coisas que nunca farão de nós nada, mas que fazem aquele momento, aquela espera mais fácil de aguentar. É aí que entra a nossa resposta, a resposta forçada, a um país que só é nosso de aluguer, que só nos dá um sítio onde dormir e por onde deambular. É aí que percebemos o vazio em que estamos e é aí que nos perdemos para a rotina e para o ilusório. Não sabe bem, mas sempre sabe a nada...e nunca o nada soube tão bem...