19 de janeiro de 2011

Francisco Lopes, o candidato que quer «transformar desânimos e resignações em esperança combativa»


É já no próximo dia 23 de Janeiro de 2011 que os portugueses se deslocam às urnas com o compromisso de elegerem aquele que será o futuro Presidente da República durante os próximos cinco anos. Natural de uma pobre realidade, perto do Concelho de Arganil, Francisco Lopes, candidato apoiado pelo PCP e pelo Partido Ecologista "Os Verdes", explica o desejo que o move na corrida por Belém: «abrir caminho a um grande projecto político, patriótico e de esquerda, vinculado aos valores de Abril».


Francisco Lopes está oficialmente inscrito no Partido Comunista Português desde 1974, mas a sua intervenção nas mais diversas acções de luta têm muito mais “história”. Como é que um natural de Vinhó, uma cidade com pouco mais de 100 habitantes actualmente, se distancia dessa realidade do interior português e se cola aos projectos e prospecções de um PCP de Cunhal?
Sou natural de Vinhó, uma pequena aldeia no concelho de Arganil, com a qual mantenho uma forte ligação. Apesar de ter vindo residir para Lisboa com nove anos, não me distanciei da realidade da minha terra. Conheci as condições de vida de muitos dos meus conterrâneos, entre as quais destaco a triste realidade de ter presenciado adultos e crianças a viverem sob carências extremas, sem terem o que vestir ou calçar, habitando em casas sem electricidade ou água potável. Todas estas condicionantes empurraram sucessivas gerações para a emigração, à procura de uma vida melhor.
Esta avaliação não deixou de estar presente na evolução da minha consciência política, embora esta tenha sido particularmente influenciada pelo estabelecimento do contacto, aos dezassete anos de idade, com militantes da juventude comunista (da União dos Estudantes Comunistas – a UEC – e do PCP), pela intervenção no movimento associativo estudantil, pela participação no movimento democrático, pela realidade do trabalho, através da exploração na empresa onde comecei a trabalhar, pela consequente acção sindical e também como membro da Comissão de Trabalhadores que desenvolvi.
Tudo isto foi como que uma experiência que levou naturalmente à adesão à UEC e ao PCP na luta contra o fascismo e contra a guerra colonial, contra a exploração, pela liberdade, abraçando o ideal comunista, o projecto da democracia e do socialismo. 


E de que forma surge a sua eleição como deputado pelo círculo eleitoral de Setúbal? Estratégia política ou uma relação íntima com aquele que é conhecido como o “Distrito Vermelho” em Portugal?
A proposta para ser candidato, e posterior eleição como deputado do PCP pelo círculo de Setúbal em 2005, com nova eleição em 2009, teve como bases as responsabilidades que detive na organização regional de Setúbal nos anos noventa, os conhecimentos que adquiri ao longo desse processo e a ligação que estabeleci com a realidade regional, com os problemas e aspirações dos trabalhadores e com a população do distrito.


Quanto à nomeação de Francisco Lopes para a corrida à Presidência da República: como surgiu essa mesma escolha dentro do Comité Central do PCP? É verdade que Bernardino Soares foi preterido em relação a si?
Não houve uma nomeação, mas sim uma decisão que, como sempre, foi tomada após apuramento de opiniões e em que ninguém foi preterido.


É esta uma candidatura que responde à preferência do PS e do BE por Manuel Alegre?
A minha candidatura é uma candidatura com um projecto próprio, que responde às necessidades do País, à exigência de ruptura e mudança com o rumo de injustiça social e declínio nacional. Afirma-se como alternativa para o exercício das funções de Presidente da República, para abrir caminho a um grande projecto político, patriótico e de esquerda, vinculado aos valores de Abril, permitindo assim o desenvolvimento, a justiça e o progresso social.
A minha candidatura é a única que não está comprometida com o rumo de afundamento do País, a única que comporta a ruptura e mudança e um projecto alternativo para Portugal. Cavaco Silva é dos mais responsáveis pela situação em que o País se encontra. Manuel Alegre, candidato do PS e apoiado pelo BE, além do seu percurso marcado pelo comprometimento com as posições do PS ao longo dos anos, assume neste momento a preocupação de salvar a política deste Governo e a sua continuidade.


Ou será antes uma candidatura contra Cavaco Silva? Isto relembrando o seu discurso do passado dia 10 de Setembro, no qual sublinhou «a prática negativa seguida pelo actual Presidente da República», considerando mesmo que este terá prolongado «no exercício do seu cargo na Presidência, o papel profundamente negativo que desempenhou enquanto primeiro-ministro»...
Para a concretização de uma alternativa patriótica e de esquerda, nestas eleições é necessário, embora não suficiente, que Cavaco Silva não seja reeleito.
O actual Presidente da República é dos responsáveis políticos mais comprometidos com a situação em que se encontra o nosso país, pelas políticas que protagonizou ao longo de dez anos, enquanto 1º Ministro, e ao longo de cinco anos, como Presidente. Esteve sempre, durante ambos os mandatos, em consonância com os interesses dos grupos económicos e financeiros e manteve constantemente uma postura de abdicação dos interesses e da soberania nacional.

E encontra explicação para essa primazia do BE por Manuel Alegre?
O BE decide as suas próprias posições. Decidiu agora de forma diferente de há cinco anos, decisão essa que o coloca a apoiar Manuel Alegre, o candidato do PS, um candidato que, independentemente das palavras, tem um percurso de comprometimento, em aspectos essenciais, com a política do PS nas últimas décadas e com a política do actual governo.


Considera então que o PS não trabalhou sozinho durante estes últimos quatro anos? Houve um negro contributo de Cavaco Silva junto das apelidadas «políticas de direita» deste Partido Socialista?
Que «o PS não trabalhou sozinho» é um facto, assumido desde a primeira hora do mandato de Cavaco Silva, com a conhecida e assumida «convergência estratégica». Convergência real e nefasta, pois não só não resolveu, como agravou todos os problemas do país e a situação do povo português. A verdade é que nas questões estruturantes, quer na economia, quer no campo social, as políticas de direita do governo Sócrates tiveram o apoio dos partidos de direita, PSD e CDS/PP, e, sempre, o beneplácito do Presidente, desde as opções do desenvolvimento económico ao Código do Trabalho, passando pelas políticas de distribuição do rendimento. Ou, não menos importante, as políticas relativas às novas gerações, principais atingidas pelo desemprego, pela precariedade e pelos baixos salários, com milhares de jovens sem saídas profissionais compatíveis com a sua formação superior.


Já referiu, e por várias vezes, que Cavaco falhou em muita coisa, inclusive na Educação na qual houve «uma escalada nos custos da Educação, das propinas, etc». O que pode um Francisco Lopes, Presidente da República, fazer para alterar tal situação?
Cavaco Silva falhou na educação, quer enquanto Primeiro Ministro - foi durante o seu mandato que ficou célebre a expressão “juventude rasca” - quer enquanto Presidente da República, no apoio incondicional que deu às políticas educativas e à ministra da educação, naquele que foi um dos períodos mais negros da educação em Portugal.
O Presidente da República pode e deve, no âmbito das suas funções presidenciais, fazer cumprir a Constituição da República, que é muito clara na defesa da escola pública, na importância que lhe atribui na qualificação de todos os portugueses, tendo por isso inscrito a gratuitidade de todo o ensino obrigatório e a progressiva gratuitidade de todos os outros níveis de ensino.


Mas não podemos considerar que Cavaco travou também, e por outro lado, uma aguerrida luta contra o PS, relembrando principalmente o caso da promulgação da lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Contam-se pelos dedos os casos de divergência e conflito entre o Presidente e o Governo. Sem prejuízo da relevância do caso concreto da promulgação dessa lei, o que marca este mandato é a total consonância nas políticas económicas e sociais, contra os interesses do país.


Falando ainda acerca do actual Presidente da República: acredita que o “atraso” por este perpetrado na anunciação da sua candidatura foi um movimento estratégico?
Os tão falados «atrasos» ou «tabus» da candidatura de Cavaco Silva não passam de mistificação, já que foram programados para beneficiar a própria candidatura, como se vê pela data “cirurgicamente” escolhida para a sua apresentação. Tal situação permitiu-lhe ainda desenvolver, ainda que indevidamente, uma intensa campanha eleitoral nos últimos meses, à boleia das funções presidenciais.


Sei que, para além de toda a campanha levada a cabo dentro do nosso próprio país, Francisco Lopes e o PCP optaram este ano por visitarem diversas comunidades de emigrantes portugueses a residirem no estrangeiro. Quais os objectivos que o levaram a abandonar o nosso país e a prestar um contributo a estes «cidadãos portugueses de pleno direito» durante o passado fim-de-semana de 8 a 10 de Outubro?
Não constitui facto novo, mas sim uma prática regular na actividade do nosso Partido, o contacto com as diversas comunidades de emigrantes portugueses. À semelhança do que, aliás, se passou nas últimas eleições presidenciais, com a candidatura do PCP, a minha deslocação a vários países teve por objectivo não apenas a valorização da importância das comunidades portuguesas para a afirmação de Portugal no mundo, mas sobretudo apoiar e dar voz às suas legítimas reivindicações e expectativas, com a garantia de tudo fazer para um Portugal mais justo e desenvolvido, para acolher, também, todos aqueles que decidam regressar.


José Barata Moura, Professor Catedrático da Universidade de Lisboa e militante do PCP, aceitou «honrado» o convite para mandatário nacional da sua candidatura à Presidência da República em 2011. O que motivou tal escolha dentro do seio da sua campanha?
Sinto-me igualmente honrado pela aceitação, por Barata Moura, do convite para mandatário da candidatura. Trata-se de alguém que dispensa apresentações, cujas credenciais o afirmam como intelectual e académico de prestígio. Mas, igualmente, e não menos importante, um militante comunista profundamente identificado com os objectivos da minha candidatura e com os interesses dos trabalhadores e do povo português. A sua participação constitui um contributo de muita valia para a nossa campanha eleitoral.


Tal como resumiu num dos seus vários discursos, acerca de toda a conjuntura política actual, hoje em dia existe «um afrontamento à soberania nacional (...) o que subordina a política externa aos objectivos e interesses dos EUA e de outras potências, integrando-as nas suas estratégias de agressão». Acredita que a realização da cimeira da NATO em Lisboa, nos dias 19 e 20 de Novembro, muito contestada pelo PCP, coincide com estes mesmos propósitos coniventes? Portugal estará a rebaixar-se e a abdicar da sua soberania autorizando tal iniciativa dentro de solo nacional?
A decisão do Governo português de receber em Lisboa mais uma cimeira de guerra, associa inevitavelmente o nosso país não apenas ao conteúdo gravoso das suas decisões, mas também a uma previsível e nova escalada de agressão contra os povos.
O que se pretende e o que está em cima da mesa nesta cimeira é a reafirmação da NATO como bloco político-militar, é a sua elevação a um novo patamar como instrumento de ingerência e de agressão a nível global, sob qualquer pretexto, e sobrepondo-se mesmo à própria ONU, e é a exigência do aumento das despesas militares dos seus membros incentivando a corrida aos armamentos.
Tudo isto colide frontalmente com os princípios consagrados no art.º 7.º da Constituição, designadamente a dissolução dos blocos político-militares, princípios que a minha candidatura defende e pelos quais se baterá ao longo desta batalha eleitoral e para além dela.


E quanto à relação com a Europa e subjacente União Europeia? Como Presidente irá mesmo apoiar «um rumo de ruptura com a natureza do processo de integração europeia», tal como referiu a 10 de Setembro? Portugal não tem interesse em figurar na UE, segundo a sua visão?
Após 25 anos de integração capitalista europeia e depois de esquecidas as falsas promessas e desfeitas as ilusões criadas, é cada vez mais claro, para um maior número de portugueses, que as políticas e as orientações da União Europeia são sinónimo de destruição da produção nacional, de regressão social, de inaceitável condicionamento da soberania do povo português quanto a decisões fundamentais para o seu presente e futuro e de autêntico roubo dos trabalhadores e da riqueza criada a nível nacional.
O que proponho e considero necessário é uma ruptura com a continuação deste caminho para o desastre económico e social. 
Uma ruptura com as políticas anti-sociais e federalistas, isto é, de concentração da decisão nas grandes potências, designadamente na Alemanha.
Uma ruptura que abra caminho a uma Europa em prol da cooperação entre estados soberanos e iguais em direitos, sem relações de dominação política e económica, só possíveis pela afirmação da soberania e independência nacional.


Atentando nas suas palavras, coerente será também afirmar que tem baseado esta campanha nos esforços que os portugueses podem e devem fazer pelo seu país, intenção comprovada pelo fecho de um dos seus discursos no qual refere que «o futuro de um Portugal mais justo e desenvolvido está nas vossas [do povo] mãos». Caso seja eleito é no povo, e não no Governo, que deposita as suas esperanças?
Sendo uma candidatura que é expressão da vontade colectiva de mudança de todos aqueles que, atingidos nos seus interesses e direitos, aspiram, confiam e lutam para a construção de um país mais desenvolvido, com justiça e progresso social, ela confia na capacidade e no querer dos trabalhadores e do povo, cuja intervenção e acção constituem a componente determinante para as transformações e avanços de que Portugal precisa.


E não posso também deixar de lhe perguntar o que pretende para as regiões autónomas, já que tem sido sistemática a referência a este mesmo tema nos últimos anos. O caminho passa pela «afirmação da autonomia político-administrativa das regiões autónomas»? De que forma?
Pronuncio-me inequivocamente pela afirmação do valor das autonomias regionais no quadro da unidade e soberania nacionais. 
A autonomia político-administrativa das regiões autónomas, alcançada com a Revolução de Abril e consagrada na Constituição da República em 1976, constitui um elemento democrático essencial da organização do Estado e corresponde a uma concepção descentralizada da organização do poder político indispensável para responder às especificidades regionais e potenciar a participação e envolvimento das suas populações. 
É neste quadro, e com estes importantes objectivos, que deve ser afirmada a autonomia político-administrativa das regiões autónomas, usando para isso os direitos consagrados na Constituição da República e nos Estatutos de cada uma das regiões autónomas.


Sendo um dos principais poderes e deveres do Presidente da República defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição portuguesa, que comentário pode fazer à proposta de revisão da Constituição pelo PSD?
Tal como aconteceu em revisões anteriores, está em marcha mais uma tentativa de golpear e enfraquecer o texto constitucional. Desencadeada pelo PSD, ela visa fazer corresponder, no texto constitucional, a prática das políticas de direita dos últimos anos, nomeadamente as levadas a cabo pelos governos PS de José Sócrates, nas áreas laborais, da saúde e da educação. Tais projectos só farão vencimento com a convergência do Partido Socialista.


Apelidou a sua candidatura como «única», isto no passado dia 18 de Setembro, num jantar promovido e organizado pela Juventude Comunista Portuguesa, no Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa. Porquê «única»?
A minha candidatura é, efectivamente, diferente e é a única que não está minimamente comprometida com as políticas de direita que conduziram o país à desgraçada situação em que se encontra. Assim nasceu e assim está umbilicalmente ligada à luta dos trabalhadores e do povo contra essa mesma política no sentido de conseguir as mudanças necessárias para conduzir Portugal ao desenvolvimento e ao bem-estar a que o povo português tem direito. É a única de que se pode dizer, com verdade, que defende uma política de esquerda vinculada aos valores de Abril.


Texto: Tiago Martins
Fotografia: Francesco Cerruti