29 de novembro de 2011

Greve Geral

CGTP traz milhares de manifestantes para São Bento

Foi a primeira greve geral, desde o 25 de Abril, em que se viu uma manifestação a ser convocada para o mesmo dia em que o país pararia. O protesto foi agendado para a capital e concentrou-se em frente à Assembleia da República. Foram milhares os que aderiram. Foram também aos milhares, as críticas ao Governo. As duas centrais sindicais uniram-se, mais uma vez, mas foi a CGTP que encabeçou o protesto. 


«O ataque é brutal, a greve é geral!». Com palavras de ordem se cortou o trânsito. O silêncio. A dispersão. A calma. Os milhares de manifestantes haviam chegado. Traziam consigo faixas vermelhas, brancas e amarelas. Traziam também os punhos cerrados, abanando-os violentamente no ar. Os casacos abertos, tal não era o cansaço. Lá pelo meio, via-se até uma t-shirt estampada com a fotografia do lendário Ernesto “Che” Guevara, um dos símbolos da revolução cubana. Também a indumentária de Carvalho da Silva não passava despercebida, aquando da sua subida ao palanque, para o discurso que relembraria as – ainda não completas – 24 horas de Greve Geral. Com uma camisola vermelha, a lembrar os festejos do 25 de Abril, e um autocolante da Greve Geral ao peito, o líder da CGTP ajustou o microfone, encarou a multidão, pediu silêncio e começou a falar.
28 de Março de 1988. Temos de recuar mais de 23 anos para podermos falar sobre aquela que foi a primeira Greve Geral conjunta entre as duas centrais sindicais portuguesas. CGTP e UGT têm ideias diferentes, projectos distintos e os seus caminhos não se cruzam. Mas é já a terceira vez, desde o 25 de Abril de ’74, que abrem mão dessa convicção em prol dos direitos dos trabalhadores. Em prol do proletariado.
Esta é a sétima Greve Geral no nosso país desde a Revolução dos Cravos. Mas é também a segunda em apenas dois anos. A última foi no exacto mesmo dia, 24 de Novembro. A data parece ter ficado para recordar, mas nem tudo permaneceu igual desde então. O Governo mudou. Os problemas transfiguraram-se. A troika chegou e veio para ficar. A Europa afunda-se a olhos vistos. Para além de tudo isso, o ano não é o mesmo, o que significa novo Orçamento de Estado. Se na altura a CGTP anunciava a Greve Geral como «uma luta contra a resignação», resignação essa que advinha da aprovação do “Programa de Estabilidade e Crescimento III” (PEC), então hoje a central sindical adapta o seu discurso realçando que «esta é uma Greve Geral pela renegociação da dívida, contra o programa de agressão aos trabalhadores, ao povo e ao País».
Foi tudo isso que mudou. Mas há mais. Pela primeira vez, em quase 38 anos de Democracia governativa, Portugal conheceu uma Greve Geral em que os grevistas saíram à rua como mais uma forma de protesto organizado. Nunca tal iniciativa se tinha visto no nosso país. No entanto, e aqui separam-se as águas, a UGT não esteve presente e não elegeu nenhum representante para estar ao lado de Carvalho da Silva – pelo menos que se visse a olho nu.
O ponto de encontro da manifestação estabeleceu-se no Rossio, às 15h00, tendo como destino a Assembleia da República, mas tantos terão sido os esforços à volta da paralisação do país que a própria CGTP acabou por divulgar erradamente as horas e o local. Eram 15h10 e já os jornalistas esperavam os manifestantes em frente ao Palácio de São Bento. O que ninguém sabia era que a manifestação teria o seu início no Rossio às 15h00 e que desfilaria junto ao rio, até começar a subir, já no fim, pela Calçada da Estrela, em direcção à Assembleia. Não se falava em marchas até então. O corrupio de informações era audivelmente perceptível, mas a calma imperava e vinha sempre pautada pelos ritmos harmoniosos de Sérgio Godinho, o homem que se fazia agora ouvir através dos altifalantes previamente montados pela CGTP.
O movimento “Ocupar Lisboa” já lá estava e aproveitava o compasso de espera para distribuir alguns panfletos. Numa folha A5 branca, lia-se, em negro contraste: «Junta-te a nós e faz a tua voz ser ouvida». Foi exactamente isso que fizeram. Este e mais alguns movimentos de índole revolucionária, destacando-se aqui o nome dos “Indignados”, engrossaram assim as fileiras de uma manifestação de milhares, numa Lisboa de tão poucos. A greve deixou muitos em casa e trouxe o silêncio para as ruas. Pelo menos até às 16h00, hora de chegada dos manifestantes.
Meia hora depois, já se ouvia Carvalho da Silva. Com uma voz impetuosa, mas surpreendentemente tranquila e sem hesitações, começou por congratular os presentes: «A força do futuro está aqui e aqui se comprova». Voltavam assim as palavras de ordem e os aplausos. Mas com eles chegava também uma fortuita e pontual enxurrada de insultos, todos eles saídos das bocas e megafones dos trabalhadores portuários de Lisboa, e dirigidos a Passos Coelho. Contudo, o Secretário Geral da CGTP não baixou os braços e voltou a recuperar as atenções. Mostrou-se como o reflexo de todos aqueles incontáveis milhares de trabalhadores descontentes: desiludido, mas esperançoso. «Estamos conscientes de que temos de fazer sacrifícios, mas esses sacrifícios devem de ir ao encontro da recuperação da Democracia em Portugal», dizia exultante. «Que ninguém duvide que esta greve vai fazer diferença a muitos portugueses, mas nem por isso deixámos hoje de poder contar com mais de três milhões de trabalhadores». Estavam lançados os primeiros números e a garantia de que esta Greve Geral teria suplantado a do ano passado. Os piquetes haviam assim feito o seu trabalho, ainda que Carvalho da Silva não conseguisse esquecer as inúmeras rixas que se tinham dado com a polícia durante a madrugada, chegando mesmo a avisar as forças de segurança de que não teriam «legitimidade para obstruir tal tipo de intervenção». Mas os manifestantes voltaram a fazer-se ouvir quando este prometeu, já perto do final, mais luta, menos flexibilidade e um aumento da «resistência dos trabalhadores perante o patronato e contra um Orçamento de Estado que não promete nem investimento, nem desenvolvimento». Despedindo-se, fitou a multidão, pigarreou e deixou bem assente que «a juventude não será obrigada a abdicar de um futuro de felicidade». As primeiras notas da Internacional começaram a ecoar pelos altifalantes e aí Carvalho da Silva aproveitou para relembrar Portugal: «Viva o 25 de Abril!». Num clima de serenidade e companheirismo, a carrinha da CGTP fez-se à estrada. Meia hora mais tarde começariam os confrontos entre polícias e manifestantes que acabariam por marcar este 24 de Novembro. Já a CGTP e a maioria dos grevistas haviam subido a Rua de São Bento.

28 de novembro de 2011

Uma Manhã de Domingo

«Abro a porta do quarto e dou por um silêncio invulgar. São oito da manhã e os meus pais ainda dormem. Não é um dia como os outros. É um dia de greve. De Greve Geral.»


Esta semana Portugal voltou a abanar com uma nova Greve Geral. A segunda em apenas dois anos. A segunda com a organização directa e cooperante da CGTP e da UGT. Ainda que tenha havido uma manifestação, horas mais tarde - às 15h00, mais precisamente -, Portugal optou por ficar em casa numa quinta-feira soalheira, de pouco vento e que até convidava a sair de casa para o trabalho. Esta é a visão de um jovem estudante de 20 anos, que reside no Cacém, e que resolveu aproveitar a greve para fazer uma pequena corrida matinal.





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Texto, Sonoplastia e Produção: Tiago Martins

13 de novembro de 2011

A Restaurant Week Desembarcou em Cascais

«Hemingway. O antigo bar aterrou, há cerca de uma dezena de anos, na Marina de Cascais e por lá ficou. O primeiro proprietário fechou as portas após algum tempo e o espaço só voltou a ter clientes em 2002. Já o nome, esse ficou em honra do escritor e do mar que ali em frente repousa. Hoje as duas portas em vidro abrem-se para mostrar um restaurante inovador, mas de estilo antiquado. Hoje, Hemingway estaria orgulhoso por poder comer uma refeição quente neste que é um dos melhores restaurantes da linha»


Esta é a reportagem que fala sobre a iniciativa "Restaurant Week Cascais" e sobre a sua importância para a democratização no acesso do público aos estabelecimentos de fine dining, não esquecendo, para além disso, do contributo monetário para as causa sociais “Mulheres de Vermelho” e "CrescerSer".



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Texto e Sonoplastia: Tiago Martins
Produção: Pedro Sá

3 de novembro de 2011

Função Pública sofre reajustes nos subsídios de Férias e Natal

«Cheguei ao ponto em que só não posso cortar na minha alimentação»

É uma das medidas do Orçamento de Estado com maior impacto sobre os funcionários e sobre a redução da despesa pública. São novas mudanças ao nível das remunerações na Função Pública que prometem trazer também uma nova conjuntura económica. Mas quem é que vai realmente pagar? Será a “despesa” demasiado elevada? Que efeitos práticos vão ter os cortes nos subsídios de férias e de Natal para aqueles que realmente precisam de uma ajuda extra?

Fotografia de Miguel Baltazar in Jornal de Negócios

Ana Maria Santos tem 60 anos e é Assistente Operacional no Centro de Saúde do Cacém-Olival. Assistiu à abertura deste «seu filho», há 11 anos atrás, e, desde então, nunca mais conheceu um outro posto de trabalho, uma outra realidade. É ela quem trata da esterilização dos materiais e equipamentos de saúde. É ela quem se arrasta escada acima, dia após dia, numa ânsia louca de tudo funcionar asseadamente e sem falhas. Não há espaço para erros quando se lida com a vida dos outros. Nem quando temos 60 anos, 37 de serviço, uma doença grave na perna direita e duas hérnias discais para completar o cardápio de maleitas.
«Já não vou para nova, ainda para mais depois da operação que fiz ao coração». Já lá vão cinco anos. «Agora custa mais». Mas a “Dona Ana”, como é habitualmente conhecida, é ainda “pau para toda a obra”. Trabalhou um ano e meio numa fábrica de soutiens, quando era jovem, e, desde então, não mais parou: «Já lá vai tanto tempo que nem me lembro do nome da empresa». Nas vésperas do 25 de Abril a fábrica fecha e a “Dona Ana” choca de frente com a possibilidade de se transferir para a Função Pública: «Uma amiga minha ficou doente e pediu-me que a substituísse. Mudei então de vida e passei a auxiliar de apoio e vigilância». Acabou a trabalhar na Amadora a contrato e depois passou a efectiva no Centro de Saúde do Coração de Jesus. O tempo voou, desde então, e aquele que parecia ser um caminho promissor, anos idos, revela-se agora cheio de buracos e obstáculos.
A Função Pública mudou. Tudo mudou. Hoje em dia, um faz o trabalho de muitos, e muitos fazem a sua vez na fila para o Centro de Emprego: «Faço tudo! Isto chegou ao ponto de me ver obrigada a limpar o vomitado das crianças na zona da vacinação. Há dias assim». Mas há também uma casa para manter e contas para pagar. Não se pode desistir. «Tem de se viver, filho! Eu contava com o subsídio de Natal para dar uma ou outra prenda. Usava-o também para ir ao talho comprar carne. Fazia-me falta, mas agora acabou». Melhores dias virão, mas talvez Ana Maria Santos já não os apanhe.
Com uma remuneração base de 748€, a sexagenária vai agora sofrer um corte de 68% em cada subsídio, o que, contas feitas por alto, resultará numa ninharia: «Os subsídios davam para pagar as poucas dívidas que tenho, mas já me deixei disso. Tenho de começar a pensar noutras possibilidades, mas não sei mais para onde me virar, muito sinceramente». Ainda que o panorama não seja brilhante, Ana Maria Santos não desiste de pôr um sorriso na cara. Ri-se, talvez, para não chorar: «Já não dá para comprar bolachas, já não posso ter o armário cheio delas! Era uma das minhas maiores gulodices. Cheguei ao ponto em que só não posso cortar na minha alimentação, mas vou ter de me deixar de despesas, sem dúvida».
Casada com Armando Nunes dos Santos, de 58 anos, e mãe de dois filhos «já adultos», Ana ainda hoje trabalha como sustento para todos os que ama: «O meu marido passa a vida desempregado. Ainda consegue arranjar uns biscates numa fábrica lá para Mem-Martins, mas tão depressa o contratam, como o despedem. Até já lá perdeu um dedo, num acidente de trabalho, mas ninguém se comoveu. Veio corrido com o seguro que reembolsava apenas metade dos 500€ que ele recebia. Já os meus filhos, uma com 33 e o outro com 28, continuam à procura de emprego, mas ninguém facilita. Ainda hoje lhes dou dinheiro, mas pergunto-me: “até quando?”».
Ainda com algumas dores na perna, depois de algum tempo sentada, Ana Maria Santos levantou-se e percorreu a sala: «Aos meus filhos não posso pedir ajuda, já me conformei. Se tiver mesmo de ser operada às hérnias, e se o meu marido nessa altura voltar ao desemprego, não sei como vou fazer».
É preciso aguentar. Mas até que ponto? O que é que está em causa? O que é que pode vir a acontecer a estas pessoas? Ana Avoila, a coordenadora da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, defende que estes cortes não só são ilegais, mas também inconstitucionais. «Isto não é de agora. Está muita coisa a acontecer ao mesmo tempo. Houve gente a perder perto de 800€ só com cortes e congelamento de salários nos últimos dois anos. Ainda querem privar essas pessoas dos seus subsídios?» Há uma preocupação constante com todos os funcionários, mas são aqueles que menos recebem que mais inquietam a sindicalista: «Os rendimentos mais baixos sofrendo estes cortes, e com tantas responsabilidades, são altamente prejudicados. É muito perigoso».
Para onde caminha então a Função Pública e seus respectivos trabalhadores? Onde estão os quadros, os efectivos, os cumprimentos de contrato, etc.? «Este Governo pretende entregar a Função Pública ao sector privado. Estamos no caminho para a extinção de uma grande parte dos trabalhadores do estado». São 500.000 postos de trabalho que podem então desaparecer, mas são, acima de tudo, 500.000 pessoas que perdem agora um «outrora grande poder de compra». O que é que se pode esperar do futuro? Só o tempo o dirá, realmente. Mas que Portugal nunca enfrentou tal tipo de sacrifícios desde o 25 de Abril, disso podemos ter a certeza. Até quando então?