28 de janeiro de 2014

A arte de bem especular

Janeiro está a chegar ao fim e já lá vão dois tiros no porta-aviões. Ola John foi, puxado por uma orelha, para o Hamburgo. E assim se perdeu uma das peças mais importantes do Benfica na recta final do ano passado. Não satisfeitos, lá foi também o desgraçado do sérvio. Matic, o «melhor médio defensivo do mundo», segundo Jorge Jesus. Chelsea dá e Chelsea tira. O dinheiro não é problema…pelo menos para os lados de Londres. Já em Lisboa a corneta apita de outra forma. E o regimento marcha com uma mão à frente e outra atrás.

Luís Filipe Vieira diria, neste momento, algo como «mas mais vale marchar do que morrer!». Tudo bem. Eu diria, contudo, que mais vale ter quem meter a marchar do que metê-los a marchar daqui para fora – perdoem as redundantes metáforas. Gastaste o que havia e o que não havia para gastar. Agora? Agora o nosso meio-campo, ainda que seja o melhor em Portugal, está ao abandono. A um nível tal que ver os últimos jogos disputados na Luz naquele relvado era como ver o (não) desenvolvimento da agricultura portuguesa no pós-Política Agrícola Comum. Um enorme batatal, mas batateiros e batatas nem vê-los. “Deixe lá, Sr. Ministro. A gente manda vir de Espanha. Ou de França”. “Mas não fica mais caro?”. “Fica”. “E não tem menos qualidade?”. “Claro”. “E não estamos a matar a nossa mecânica produtiva?”. “Sim”. “Vamos a isso então!”. Que bom é ser-se português. Tanto na política, como no futebol.

E de portugueses falemos. Mais precisamente de André Gomes. O jovem de 20 anos foi – e esta aqui não deixa de me fazer rir – “comprado” pelo empresário Jorge Mendes. O homem que também representa os célebres Cristiano Ronaldo e José Mourinho parece ter encontrado num dos futuros projectos benfiquistas…um futuro jogador para o futebol não-português. Mais precisamente para o futebol inglês. Gomes viu o seu nome associado ao Liverpool, este domingo, pelo jornal The Sunday Times. Mas já dizia Ricardo Araújo Pereira na interpretação de uma das suas maiores personagens: «Falam, falam, pá, e eu não os vejo a fazer nada! Fico chateado, com certeza que fico chateado, pá!». É que isto de “falar” em coisas é sempre interessante, mas é preciso saber fazer disso profissão. É preciso saber fazer disso arte. Aí, não há ninguém melhor do que os jornalistas. Do que a comunicação social. Mas mesmo esses têm falhas. Vejamos porquê.
“Eu já fui. E tu?” in zerozero.pt
A tal notícia que associa André Gomes ao Liverpool, e que todos os grandes desportivos nacionais usaram para encher papel hoje, explica que só há interesse no médio benfiquista porque Gerrard e Lucas estão no estaleiro. Ah, e como se não bastasse, quem ilustra o artigo é o André…mas o Almeida. Poético. O mais bonito é que ainda se fala num outro possível interesse, desta feita por parte do Manchester City. Agora pergunto eu: mas alguém se lembra que em Junho André Gomes estava referenciado pelo Chelsea? Quem é que acabou por ir para lá preencher o meio-campo? Pois.

Fica aqui a prova provada de que o Benfica tem a corda na garganta. De que a sarna é muita, mas as notas para a coçar já há muito que trocaram de mãos. De que o Benfica não tem problemas em especular para valorizar e meter os seus jogadores nas bocas do mundo. E que um empresário faz e fará sempre aquilo que um empresário tem de fazer: jogar com tudo o que o rodeia para fazer dinheiro. Para quê? Para fazer ainda mais dinheiro. Mas não tem mal. Não precisamos de André Gomes, de qualquer forma. Enzo, Fejsa e Amorim chegam e sobram. Se algum partir as duas pernas, Gaitán também dá para o meio. Em último caso espeta-se lá com Markovic (finalmente!). Com certeza que nenhum dos dois últimos será necessário para jogar nas alas até porque são muitas as opções que temos. Como Salvio, por exemplo. Ou Ola John, de quem falávamos há pouco. Acima de tudo, não queremos é dar cabo da carreira a um puto que até tem o que é preciso para vingar. Sim, vamos vendê-lo até dia 31 de Janeiro por mais de 15 milhões de euros – valor pago por Jorge Mendes. Senão, não tem mal. Fica para o final da época.

E se eu disser que nem agora, nem nessa altura? É a arte de bem especular. Ou não.

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22 de janeiro de 2014

No meio está...a dúvida

15 de Janeiro de 2014. Nemanja Matic enche as capas dos jornais com o seu novo sorriso “à Chelsea”, e os olhos dos benfiquistas de lágrimas ainda malsofridas. O sérvio partiu. E com ele partiram as capacidades técnicas que fizeram sair da boca de Jorge Jesus o pior suspiro inconformado que um benfiquista poderia ouvir: «perdemos o melhor médio defensivo do mundo». Paz às suas chuteiras. Só faz falta quem cá está...que é o que se diz quando nos partiram o coração e nos tentamos fazer de fortes.

E fortes temos de nos manter, provando que nada nos serve de temor, a não ser nós mesmos e os tropeções que, época após época, repetimos. Quais crianças que não aprendem a apertar os atacadores dos ténis já gastos. Com a saída de Matic ficou um assunto para resolver: quem ocupará o lugar de pivot defensivo no eixo central do nosso mágico meio-campo? Há duas hipóteses. Ou Rúben Amorim ou Ljubomir Fejsa. Vamos conhecê-los.

O número 6 do Benfica in Site Oficial do Benfica
Comecemos pelo português: 29 anos – que completará daqui a seis dias –, 1,78 metros e 74 quilos. Começou a sua carreira sénior no Belenenses, decorria o ano de 2003, tendo apenas participado em dois jogos nessa mesma época. Lá ficou até 2008, ano em que os azuis do norte conseguiram o primeiro lugar e os azuis de Belém o oitavo. O clube que se seguiu é o mesmo de hoje: o Sport Lisboa e Benfica, num negócio que terá custado um milhão de euros aos encarnados por apenas 75% do passe do português. Na primeira época, ao serviço de Quique Flores, Rúben Amorim fez 35 jogos, num total de 44 – tendo sido titular em 31 deles –, e marcou dois golos. Na época seguinte aparece Jorge Jesus e o Benfica é campeão. Amorim figura em 38 jogos, num total de 51 – tendo sido titular em 24 deles – e passa, de uma época para a outra, do lugar de quinto jogador mais utilizado do plantel para o décimo. E no ano seguinte é quando a carreira do lisboeta se “desmorona” ao abandonar o Benfica debaixo de um clima de enorme tensão, tendo sido alvo de um processo disciplinar depois de, alegadamente, se ter recusado a participar no treino seguinte à goleada sobre o Rio Ave (5-1). A 30 de Janeiro, no penúltimo dia do mercado de transferências, assina pelo Sporting de Braga por época e meia, a título de empréstimo, e, já lá, chega mesmo a afirmar que lhe parece «óbvio» que enquanto Jesus treinar os encarnados não pode voltar: «Agora estou no Braga e estou muito feliz. Foi a melhor opção que podia tomar na minha carreira». Coincidência ou não, o português volta às boas exibições e ao tal lugar de quinto jogador mais utilizado do plantel…mas arsenalista. Faz cinco golos em 36 jogos e ajuda os bracarenses a chegarem a um sensaborão quarto lugar. Acaba a temporada e volta, como que de castigo, ao clube da Luz para cumprir o último ano de contrato.

Desde que chegou, temos visto um meio-campista lutador, mas desacreditado. As lesões não têm ajudado. A primeira, na vitória frente ao Paços de Ferreira por 3-1, no dia 14 de Setembro. A segunda, na vitória frente ao Sporting por 4-3, no dia 9 de Novembro. Praticamente dois meses as separam e, em ambas, a paragem foi de um mês. Mas nem só de espinhos são feitas as rosas e a verdade é que, das poucas vezes que pôde alinhar de início, Amorim demonstrou que tem em si o que é preciso para popular o meio-campo do Benfica e assegurar que as costas de Enzo podem permanecer voltadas para Oblak – ou Artur. Fez um jogo soberbo contra o Olympiacos. Fez um jogo fulcral contra o Sporting. Mandou no meio-campo contra o Leixões. A pergunta é simples: se um jogador corresponde quando lhe dão espaço e mostra que a idade tem servido para amadurecer e compreender e proteger o centro do meio-campo como um atleta de gabarito...porque é que é necessário manter a média de entrada em campo no minuto 70? Porque jogava Matic. Pronto, tudo bem. Boa resposta. E agora? Qual é a desculpa para não jogarmos com um português – com todas as capacidades para ir ao Mundial – como titular?

O sérvio número 5 dos encarnados in Site Oficial do Benfica
A desculpa poderá ser Ljubomir Fejsa. Sérvio, 25 anos, 1,84 metros e 75 quilos. Com uma história futebolística bem menor (e marcante) do que a do português, este recém-chegado deu os primeiros passos no Hajduk Kula, clube sérvio, onde ficou até ao ano de 2008. Ainda no mesmo ano mudou-se para o famoso Partizan de Belgrado, onde jogou durante três épocas, somando um total de 69 jogos e dois golos. De assinalar que na última temporada ao serviço dos sérvios não há registo que prove que tenha feito mais do que duas exibições (!). No entanto, as suas capacidades de preenchimento de espaços e leitura de jogo cedo o evidenciaram. O Olympiacos estava bem acordado para o possível potencial deste jovem e na época de 2011/2012 o treinador Ernesto Valverde comprou-o e colocou-o à prova em quase todos os jogos possíveis…até final de Novembro, quando Fejsa contraiu uma lesão grave, que o afastou dos relvados até final da época. Na temporada seguinte chega o português Leonardo Jardim e ​​Fejsa passa a ocupar um lugar importante...no banco. Não participa em quase nenhum jogo até 12 de Janeiro, data que assinala o último encontro do madeirense como treinador do clube grego. A partir daí, o sérvio volta a ter direito à palavra e sobe claramente de nível participando como titular em metade dos restantes jogos que faltavam até final do ano futebolístico. No ano seguinte ainda disputou o primeiro jogo da liga grega antes de entrar no avião para Lisboa, num negócio avaliado em quatro milhões e meio de euros.

Desde que chegou, já lá vão 15 jogos, num total de 29 – tendo sido titular em 13 deles –, e algumas exibições marcantes, como seja o jogo de estreia pelo Benfica na Champions, contra o Anderlecht. Deu 2-0. Postas que estão as cartas em cima da mesa, é agora fácil perceber que talvez estes dois senhores até nem tenham perfis assim tão diferentes. E dentro de campo isso vai-se percebendo. A nível físico talvez Fejsa tenha alguma vantagem, mas no que toca ao conhecimento da equipa e do jogo por ela orquestrado, Amorim é uma mais-valia todos os dias da semana. O sérvio é mais novo e tem a experiência de dois campeonatos, mas o português tem a seu favor os dissabores das rejeições que ultrapassou com boas exibições e alguns golos. O recém-chegado manda mais nas costas do meio-campo, mas o português é o exemplo perfeito do meio-campista multidisciplinado e pluralista que o Benfica normalmente utiliza em campo. No que à garra diz respeito, venha o diabo e escolha. Ora pois, qual é, finalmente, o factor de desempate? Jorge Jesus...se é que me faço entender.

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13 de janeiro de 2014

Especial Clássico: Benfica 2-0 FC Porto

Era tarde de emoções fortes e ninguém o negava. Os benfiquistas responderam à chamada que Eusébio involuntariamente deixou e quiseram estar presentes naquele que seria, teoricamente, e até ao momento, o jogo mais difícil do campeonato…também ele a encerrar a primeira parte do mesmo. Igualdade pontual no pódio com os três grandes a mostrarem como se dá de comer (bom futebol) ao povo português, se bem que pelas 16h00 de Domingo já o Sporting tinha empatado na Amoreira e tremia com a possibilidade de ver um dos seus dois adversários directos distanciar-se. O que veio mesmo a acontecer.

O Benfica abriu as portas a uns 63 mil espectadores – naquela que foi, de longe, a melhor assistência do ano – e preparou coreografia, homenagem, minuto de silêncio, vídeo…tudo para lembrar e relembrar o Rei que partiu há ainda menos de uma semana. Estar no estádio – e posso afirmá-lo sem precedentes porque fui um dos privilegiados – foi como ir ao céu e voltar. Poucas coisas sabem assim, daquela maneira única que todas e nenhumas palavras servem para explicar. Arrepiante.

Apito inicial e a equipa da casa a querer ir para cima do adversário. Mais bola, mais atrevimento e o lado esquerdo a funcionar on wheels, proporcionando alguns sustos a Paulo Fonseca e seus pupilos. Mas cedo o FC Porto se recusou a abandonar o jogo e guardou para si a bola. Ainda só íamos com dez minutos de jogo e já se percebia que as bancadas queriam ver mais Benfica, ou o mais normal seria voltar aos tempos em que nem pintados de ouro os jogadores de encarnado conseguiam vencer o clube nortenho. Nem de propósito e sem muitos o conseguirem prever, Rodriguito, numa perfeita e oportuna homenagem ao Pantera Negra, faz o primeiro da noite: um remate vistoso e indefensável pela esquerda, ao minuto 13…o mesmo número que Eusébio envergou ao serviço da Selecção Nacional no Mundial de 66. Respira fundo, Jesus. Ficou mais fácil.
Em tarde de homenagem a Eusébio, Rodrigo abriu o caminho para o triunfo in Lusa
Sabemos é que, quando fica mais fácil para o Benfica, abre-se lugar ao disparate. Ora, sem tirar nem pôr: os azuis e brancos foram ganhando espaço e mais espaço e quando se dava por eles estavam em cima da área encarnada a tentar bombear bolas para a baliza de um Oblak que entrou em campo como o terceiro mais novo guarda-redes de sempre a enfrentar o FC Porto no eterno clássico. Com uma exibição segura e sem grandes preocupações, o jovem alcançou perante o rival nortenho o sexto jogo consecutivo sem sofrer golos tornando-se no melhor guarda-redes estreante da história do clube. Com ou sem coincidências, a defesa do Benfica mostrou-se também ela segura – ainda que com linhas muito baixas – e assim fomos para intervalo. O FC Porto não era preciso, mas estava mais forte.

Voltou-se para aquela que seria uma segunda parte sem muita história. O Benfica entrou pesado e sem vontade de ver o seu adversário jogar e as bancadas deliciaram-se com o festim de bola que iam vendo. Passes acertados, iniciativas de se lhe tirar o chapéu, espaço para chegar ao meio e uma defesa irrepreensível. Ia-se notando, por esta hora, a importância de Matic e Enzo neste esquema habitual, e depois a importância de Maxi e Siqueira na quebra das laterais do FC Porto. Como se não bastasse, os centrais ainda subiam e, numa dessas ocasiões, Garay – de canto – meteu a cabeça à bola e bateu um Helton pouco inspirado e relativamente nervoso. Estava feito o segundo da noite e nem a entrada de Quaresma serviria para pôr água na tépida fervura que era o jogo de Paulo Fonseca. Foi um jogo bonito e simples, muito disputado, mas que teve um justo vencedor: o que realmente venceu.

A assinalar ainda que Artur Soares Dias tem falhas relativamente estranhas e critérios que deixam um pouco a desejar. Entra em campo com o objectivo de não amarelar desnecessariamente os jogadores de ambos os conjuntos, mas consegue – já na segunda parte – atribuir cinco cartolinas em menos de dez minutos. A isto junte-se uma mão de Mangala na área que o juiz da partida não conseguiu ver – minuto 52 – e um “chega-para-lá” perfeitamente escusado de Garay sobre Quaresma que poderia ter valido grande penalidade para os azuis e brancos – minuto 80. Vale a pena deixar bem explícito que não foi um jogo propriamente fácil para o árbitro que, para além de ter 63 mil pessoas à sua volta, teve ainda de lidar com a agressividade excessiva dos jogadores do FC Porto na primeira parte…tendo essa mesma agressividade sido retribuída em alguns poucos lances por parte dos jogadores do Benfica.

Campeões de Inverno. “Só” falta o resto.
Rodrigo e Garay foram os autores dos golos na vitória encarnada in Lusa
Classificação dos Jogadores:

Oblak (9) – Tudo o que havia para fazer, ficou feito. Com segurança e determinação. E não precisa de mais do que 21 anos de vida e outros tantos de treino e experiência para provar que tem pela frente uma brilhante carreira.

Garay (7) – Não se pode exigir perfeição a nenhum ser humano, mas quando se é realmente perfeito exige-se que tal dom se mantenha, propague e exalte dia após dia ou, neste caso, jogo após jogo. Ora, se Garay é perfeito…para quê uma ou outra entrada fora de tempo e plena de agressividade? Quaresma tem razão de queixa.

Luisão (7) – Em dia de homenagem ao Rei, o rei da defesa encarnada puxou da coroa, ocupou o habitual trono e, ainda que o turbo de Jackson tenha em alguns momentos metido medo, o brasileiro não se deixou ofuscar. Fácil.

Maxi (8) – Portentoso. E pouco mais há a dizer. Tirando o facto de ter feito o jogo da época e de ter estado bem ao ponto de lembrar os anos em que (nos) deslumbrou. “El Cantiflas” ainda terá jogo em si?

Siqueira (7) – Não sou apreciador do estilo, revejo nele inúmeras falhas que ocuparam o lado esquerdo da nossa defesa desde a saída de Coentrão, mas não posso deixar de tirar o chapéu a esta bem conseguida exibição. Forte fisicamente e com a capacidade para anular completamente Varela e não se deixar assustar pelas arrancadas do recém-chegado Quaresma.

Matic (8) – Dá vontade de lhe comprar um estádio e uma bola e pagar bilhete só para ver o raio do homem jogar e deslumbrar sozinho. Só falhou no minuto 10 quando Helton ofereceu uma prendinha de Natal atrasada e o passe não lhe saiu bem. De resto? Não só mandou no meio-campo encarnado, como no azul. Vai deixar saudades...

Enzo Pérez (6) – Consistente e presente. É uma luz que na Luz (e fora dela) não se apaga. Só que não tão brilhante como em outras alturas.

Gaitán (7) – Desengata sempre e em qualquer situação. Faz lembrar aquele amigo que todos nós temos que é sempre capaz de meter o carro a pegar. Dá uma confiança tenebrosa ao ataque do Benfica e isso viu-se num lado esquerdo sempre muito criativo e maroto.

Lima (5) – Continua à procura do seu espaço na equipa. Ninguém esquece as suas capacidades nem o que deu ao Benfica numa só época. Mas pede-se mais. E ele é capaz.

Rodrigo (8) – Desbloqueou o jogo e quebrou o medo. Funcionou não como timoneiro – papel mais natural -, mas sim como farol. Aguentou o ataque com a classe de um jogador que já faz isto há muitos, muitos anos. Não é o caso. Mas parece.

Jardel (-) – Registei uma intervenção poderosa, mas nada mais.

Rúben Amorim (-) - Sem tempo para mostrar serviço.

Melhor em Campo: Markovic (9) – Brilhou de forma curiosa, tal como as estrelas mais bonitas o fazem no céu: nem sempre de forma consistente e escondendo-se por uma ou outra vez. Mas ainda assim capazes de nos alegrar e embelezar a noite. Ou, neste preciso caso, o final de tarde. É um caso a ter em conta. Arrancada pela esquerda, arrancada pelo meio. Passe aqui, passe acolá. Luta pelo chão, luta pelo ar. Foi pau para toda a obra e, ainda que tenha caído a meio da segunda parte, merece o prémio de jogador do clássico. É para manter.

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7 de janeiro de 2014

«Tu és o nosso Rei, Eusébio. Descansa eternamente»

Os “Rapazes Sem Nome” saíram à rua para um último tributo em morte, depois de muitos em vida. Com eles saiu tal cântico. Das suas bocas. Projectado entre punhos desvairados, cachecóis encarnados em reboliço e bandeiras de face voltada a um vento que soprava com uma alegre tristeza. Saíram também os adeptos. Os sócios. Os doentes. Os loucos. Uns velhos. Outros novos. Uns ricos. Outros pobres. De encarnado. De verde. E de azul. Uns de sorriso amarelo nos lábios. Outros de lágrimas logo enxutas e ainda por derramar. Percebeu-se que era a sério quando alguns as derramaram.

Percebeu-se que não havia volta a dar quando a voz do Malheiro ficou ainda mais grave. Percebeu-se que era tarde demais quando o próprio Toni não o desmentiu. Percebeu-se que já não havia nada a perceber quando o próprio Benfica o anunciou, começando os preparativos e abrindo as portas para o seu povo – que ontem e hoje foi o povo português, e até o povo mundial.
Perder Eusébio foi como perder parte de Portugal in SAPO
Ainda agora parece mentira, enquanto a chuva vai batendo lá fora. Tudo tão rápido, tudo a querer fugir-nos por entre as mãos, da mesma forma que a vida lhe fugiu por entre um sorriso malandro e de orelha a orelha – assim gosto de imaginar, para que não doa tanto. Mas terá doído? O que resta de sofrimento quando o Deus de que falamos viveu tudo o que havia para viver? Tendo-o feito, ainda para mais, como as crianças o fazem: da forma mais verdadeira, pura, simples e alegre que lhe(s) é possível. Assim foi. Assim está. Assim nos despedimos, ontem e hoje, da figura que marcou o desporto nacional. E os nossos corações.

Lembrar Eusébio é lembrar muito mais do que um jogador da bola. Percebo isso, finalmente. Eu, que amo celebrar o futebol, mas que odeio tudo o que se vive fora de campo. Hoje percebo. Percebo que levar pela mão este homem até à sua última morada é quase tão magnífico, único e necessário como levar o nosso filho ao seu primeiro jogo num estádio. É a celebração de uma vida. O celebrar da nossa vivência térrea. O “obrigado” a tudo o que é do coração e que o coração nos faz ver e viver com olhos turvos de tantas que são as lágrimas que os invadem. Parar uma cidade só para dizer adeus foi pouco. Dever-se-ia ter parado o mundo. País a país, cidade a cidade, casa a casa. Porquê? Porque morreu o último símbolo que era na realidade…um homem real.
A estátua feita em vida foi o palco para a despedida em morte in TVI 24
Eusébio da Silva Ferreira representa o meu pai – ainda que este malandro que tanto amo seja lagarto. A minha mãe – com menos bigode, felizmente. O meu querido avô materno – que não procurou sucesso no futebol, mas na tipografia. E mesmo a minha avó materna – ainda que esta não consiga chutar uma bola nem para salvar a própria vida. Porque Eusébio foi e é igual a eles. Um dos que se levantou todos os dias às sete da matina para passar o dia a treinar. Sem promessas de futuro. Sem poder descansar. Sem poder acreditar que a sua vida profissional poder-se-ia estender a algo mais do que Portugal. E depois de volta a casa. Dia após dia, após dia. Tudo isto com o acréscimo de ter deixado para trás o seu continente, o seu país e a sua família porque alguém lhe disse que ele haveria de vingar…em Portugal…e a jogar à bola. Não bastava portanto a este imigrante preto ter vindo para um país fascista que explorava colónias africanas – ou os pretos que lá viviam –, como teve ainda de acreditar irremediavelmente e com todo o seu coração que seria o antigamente-mal-pago-futebol o responsável por uma vida melhor. Por uma vida digna. Quantos de nós passamos ou passámos por isto? Acima de tudo: quantos de nós triunfaríamos nestas condições? Quantos abraçaríamos, com qualidade, honestidade e orgulho em todas as nossas acções, o selo de “Self-Made Man”?

Ele fê-lo. E fê-lo marcando uma geração. E a geração seguinte. E a depois dessa. E as que hão-de vir, acredito. O que o torna no Deus nacional e no Rei do Benfica foi acreditar. Somente acreditar. Acreditar como já há muitos anos não se acredita em coisa nenhuma ou em coisa qualquer neste País. Neste Mundo. E é acreditando que não se desiste. Eusébio foi o último de nós que, cheio de alegria, conquistou a sua e a de todos. Conquistou também uma Taça dos Campeões Europeus, onze Campeonatos Nacionais e cinco Taças de Portugal – tudo com a águia ao peito. Por ele, ela há-de voar novamente neste Domingo que se avizinha. Já ele, deu hoje a última volta ao estádio ao qual chamava “casa”. Nós? Nós despedimo-nos durante mais de 24 incessantes horas. Ao frio e à chuva. De noite, madrugada, manhã e tarde. Mas não custou. Não custou porque não foi propriamente uma despedida. É que os grandes nunca partem. E mesmo quando o fazem, fazem-no com uma jovialidade e elegância tais, que nós, meros mortais, pintamos durante o resto das nossas vidas os nossos sonhos com aquelas que foram as suas lutas e consequentes conquistas. Porque não há nada mais tocante e importante do que um ser humano que move multidões. Agora imaginem que esse ser humano “só” jogava à bola.

Agora vai lá descansar, Rei…se bem que eu acredito que sejas o único homem que até desse lado não vai desistir de viver. E de encantar, claro.
Obrigado, Rei. Até sempre in Público
Em post-scriptum deixo um obrigado emocionado a todos os sportinguistas e portistas que souberam solene e dignamente honrar a memória de um benfiquista de clube, mas português de coração. Agradeço ainda e especialmente a Bruno de Carvalho, pela presença no momento fúnebre, e a Pinto da Costa, pela mensagem sincera que publicou no site oficial do FC Porto.

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