23 de dezembro de 2011

Perder quatro feriados vem mesmo tirar descanso a Portugal


É preciso cortar. Mas é também preciso produzir. Propõe-se então agora, neste novo Orçamento de Estado, a redução do número de feriados nacionais. Mas quanto pode o país lucrar com esta medida? O suficiente para eliminar do calendário uma data histórica?

Fotografia de Álvaro Isidoro in Diário de Notícias

É uma das medidas que mais deu que falar nas últimas semanas. Os sindicatos não concordam, os especialistas mostram-se receosos e só o Ministro da Economia e do Emprego, Álvaro Santos Pereira, juntamente com o Governo, está realmente ciente daquilo que a redução dos feriados nacionais pode trazer economicamente ao país.
A proposta vem no seguimento da votação e discussão do Orçamento de Estado de 2012 – entretanto já aprovado – e está a gerar dúvidas no que toca à sua efectiva execução. Numa tentativa de simplificar a questão para os portugueses, Álvaro Santos Pereira convocou uma reunião com os parceiros sociais, no passado 28 de Novembro, na qual propôs a eliminação definitiva dos feriados do 15 de Agosto, do Dia de Corpo de Deus (feriado móvel), do 5 de Outubro e do 1 de Dezembro. Dessa forma, eliminar-se-iam dois feriados civis e dois religiosos, não se gerando assim atritos, por exemplo, com a Igreja. Acontece que a medida passou em votação na Assembleia da República – inserida no Orçamento de Estado -, mas continua ainda “entalada na garganta” de alguns, como sejam, por exemplo, os sindicatos, que não estão dispostos a tal sacrifício. Já a Igreja anuiu, mas a algum custo. No entanto, o que é que se consegue com a eliminação destes quatro feriados? É essa a questão.
Ricardo Barradas, jovem Economista de 25 anos, professor de Análise Económica na Escola Superior de Comunicação Social, é um dos cépticos. Interessado no assunto desde os seus tempos de licenciatura, aproveita agora para dizer que «não há mais valia, nesta altura, em cortar 4 feriados», defendendo que a medida não passa de uma «estratégia demagógica». O também Doutorando em Economia compreende que «existe actualmente um sufoco em Portugal que se prende com a necessidade de regularizarmos o défice», mas não acredita que a redução destes 4 feriados possa, por si só, resolver alguma coisa: «é importante termos em conta que estamos a falar de direitos que se perdem, não existindo para tal nenhuma justificação do ponto de vista das contas públicas». Mas e ao nível da competitividade? É importante para o Estado conseguir aumentar os níveis de produção, de forma a aumentar as possibilidades de negócio, de expansão e de vendas. Isso parece ser um dado adquirido. Ricardo concorda, mas atenta para o facto de a questão não passar apenas por aí: «não vejo como é que é possível tornar um país competitivo por trabalharmos todos mais 4 dias». Então é viável manter os feriados? «Os feriados geram receitas. O português vai às lojas e consome, vai ao cinema e dá dinheiro para ver um filme, vai a um restaurante e paga uma refeição. Pagando-a, paga também o chamado IVA, o que permite ao Estado receber sempre uma larga fatia». Chega-nos então uma nova perspectiva de análise para a qual ainda ninguém olhou: o consumo.
Segundo o Banco de Portugal, e fazendo contas arredondadas, por cada dia útil Portugal consegue, através do trabalho, produzir cerca de 650 milhões de euros. No entanto, não são esses 650 milhões que o Estado perde num dia de paragem total, como nos feriados. Diz o especial Luís Bento, de 60 anos, e Professor de Recursos Humanos da Universidade Autónoma de Lisboa, que Portugal perde sim, cerca de 37 milhões de euros. Porquê? Porque o consumo também interessa para o Produto Interno Bruto (PIB). E muito: «O Estado ganha bastante com os feriados, concedendo assim oportunidades de lazer às pessoas e adoptando uma posição de tolerância e de cumplicidade, o que também é importante». Portanto, não são só as questões económicas que interessam. Há mais para lá disso. E aqui Ricardo Barradas destaca os interesses sociais: «Isto só irá gerar mais descontentamento social. Mas não acaba aqui! Outro bom exemplo destas práticas prende-se com a ridícula questão de trabalharmos mais meia hora por dia, por exemplo». Luís Bento parece concordar: «Estamos a arranjar aqui uma maneira de não enfrentar os verdadeiros problemas económicos do país. Ou o Governo acredita que uma meia hora a mais não será uma meia hora no Facebook? Suprimir 4 feriados é um disparate e uma patetice».
Terá Álvaro Santos Pereira comprado – e usando a expressão do especialista em recursos humanos - «uma guerra desnecessária»? Numa altura em que todas as medidas de contenção parecem ser fundamentais, não faria mais sentido concentrar esforços na questão das “pontes”, por exemplo? Luís Bento crê que é por aí que temos de começar. «Uma “ponte” é mais danosa do que um feriado, porque é constantemente anunciada de véspera, acarretando incerteza, desconhecimento, falta de planificação e de flexibilidade. Dessa forma o custo de acesso ao bem que pretendíamos chega mesmo a triplicar». Portugal tem aqui espaço de manobra. Dessa forma, a possibilidade de não termos de eliminar datas com uma grande carga histórica e simbólica talvez fosse viável se a discussão tivesse sido levada de outra maneira. Mas até aqui, Luís Bento culpa o Governo: «São os modelos de organização de tempos de trabalho que estão ultrapassados e errados. É necessário distribuir de uma forma mais eficaz o calendário de trabalho e, aí, pergunto eu: porque é que o Estado não se senta à mesa com os seus parceiros sociais e tenta definir um número máximo de quatro pontes em Portugal, por exemplo, que teriam de ser anunciadas até dia 10 de Janeiro de cada ano? Acabava-se assim com as tolerâncias de ponto que tanto prejudicam a nossa economia e conseguíamos um calendário balanceado e previsível». São perguntas que ficam por responder. Por agora, sabemos apenas que o próximo ano não contará com quatro dos catorze feriados e que os portugueses vão perder tempo de descanso e de lazer. Os resultados económicos serão analisados no final do próximo ano, mas, até lá, fica a certeza de que, socialmente, acabar com um feriado traz mais do que 37 milhões de euros: traz uma guerra à qual o Governo já não pode virar as costas.

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O anterior artigo vem compilado numa secção de destaque que se dedica a explanar a fundo toda esta problemática da redução dos feriados nacionais. Essa mesma secção foi realizada no âmbito de uma cadeira de Jornalismo de Imprensa, tendo sido ainda necessário proceder à paginação da mesma. Deixo então, de seguida, a possibilidade de fazerem o download de todo este trabalho jornalístico.

Produção e Design: Tiago Martins e Sara Ribeiro da Silva

3 comentários:

Anónimo disse...

Excelente Trabalho, Tiago!

Continua a dinamizar este blog, dando ênfase a este tipo de questões, para as quais (e infelizmente!) a nossa geração parece estar quase sempre adormecida...

Um abraço,

Barradas

Diogo Ferreira Nunes disse...

Jornalismo com contexto: algo que falta cada vez mais e que vocês conseguiram fazer com este trabalho.

Um trabalho com análise, com o devido comentário político e com dados económicos preciosos.

Assim dá gosto, :)

Diogo Ferreira Nunes

S. disse...

É compensador ver o trabalho final que, modéstia à parte, ficou brutal!

Que escreves muito bem, já tu sabes. Desta vez vou só babar-me por estar ali o meu nome! :D