CGTP traz milhares de manifestantes para São Bento
Foi a primeira greve geral, desde o 25 de Abril, em que se viu uma manifestação a ser convocada para o mesmo dia em que o país pararia. O protesto foi agendado para a capital e concentrou-se em frente à Assembleia da República. Foram milhares os que aderiram. Foram também aos milhares, as críticas ao Governo. As duas centrais sindicais uniram-se, mais uma vez, mas foi a CGTP que encabeçou o protesto.
«O ataque é brutal, a greve é geral!». Com palavras de ordem se cortou o trânsito. O silêncio. A dispersão. A calma. Os milhares de manifestantes haviam chegado. Traziam consigo faixas vermelhas, brancas e amarelas. Traziam também os punhos cerrados, abanando-os violentamente no ar. Os casacos abertos, tal não era o cansaço. Lá pelo meio, via-se até uma t-shirt estampada com a fotografia do lendário Ernesto “Che” Guevara, um dos símbolos da revolução cubana. Também a indumentária de Carvalho da Silva não passava despercebida, aquando da sua subida ao palanque, para o discurso que relembraria as – ainda não completas – 24 horas de Greve Geral. Com uma camisola vermelha, a lembrar os festejos do 25 de Abril, e um autocolante da Greve Geral ao peito, o líder da CGTP ajustou o microfone, encarou a multidão, pediu silêncio e começou a falar.
28 de Março de 1988. Temos de recuar mais de 23 anos para podermos falar sobre aquela que foi a primeira Greve Geral conjunta entre as duas centrais sindicais portuguesas. CGTP e UGT têm ideias diferentes, projectos distintos e os seus caminhos não se cruzam. Mas é já a terceira vez, desde o 25 de Abril de ’74, que abrem mão dessa convicção em prol dos direitos dos trabalhadores. Em prol do proletariado.
Esta é a sétima Greve Geral no nosso país desde a Revolução dos Cravos. Mas é também a segunda em apenas dois anos. A última foi no exacto mesmo dia, 24 de Novembro. A data parece ter ficado para recordar, mas nem tudo permaneceu igual desde então. O Governo mudou. Os problemas transfiguraram-se. A troika chegou e veio para ficar. A Europa afunda-se a olhos vistos. Para além de tudo isso, o ano não é o mesmo, o que significa novo Orçamento de Estado. Se na altura a CGTP anunciava a Greve Geral como «uma luta contra a resignação», resignação essa que advinha da aprovação do “Programa de Estabilidade e Crescimento III” (PEC), então hoje a central sindical adapta o seu discurso realçando que «esta é uma Greve Geral pela renegociação da dívida, contra o programa de agressão aos trabalhadores, ao povo e ao País».
Foi tudo isso que mudou. Mas há mais. Pela primeira vez, em quase 38 anos de Democracia governativa, Portugal conheceu uma Greve Geral em que os grevistas saíram à rua como mais uma forma de protesto organizado. Nunca tal iniciativa se tinha visto no nosso país. No entanto, e aqui separam-se as águas, a UGT não esteve presente e não elegeu nenhum representante para estar ao lado de Carvalho da Silva – pelo menos que se visse a olho nu.
O ponto de encontro da manifestação estabeleceu-se no Rossio, às 15h00, tendo como destino a Assembleia da República, mas tantos terão sido os esforços à volta da paralisação do país que a própria CGTP acabou por divulgar erradamente as horas e o local. Eram 15h10 e já os jornalistas esperavam os manifestantes em frente ao Palácio de São Bento. O que ninguém sabia era que a manifestação teria o seu início no Rossio às 15h00 e que desfilaria junto ao rio, até começar a subir, já no fim, pela Calçada da Estrela, em direcção à Assembleia. Não se falava em marchas até então. O corrupio de informações era audivelmente perceptível, mas a calma imperava e vinha sempre pautada pelos ritmos harmoniosos de Sérgio Godinho, o homem que se fazia agora ouvir através dos altifalantes previamente montados pela CGTP.
O movimento “Ocupar Lisboa” já lá estava e aproveitava o compasso de espera para distribuir alguns panfletos. Numa folha A5 branca, lia-se, em negro contraste: «Junta-te a nós e faz a tua voz ser ouvida». Foi exactamente isso que fizeram. Este e mais alguns movimentos de índole revolucionária, destacando-se aqui o nome dos “Indignados”, engrossaram assim as fileiras de uma manifestação de milhares, numa Lisboa de tão poucos. A greve deixou muitos em casa e trouxe o silêncio para as ruas. Pelo menos até às 16h00, hora de chegada dos manifestantes.
Meia hora depois, já se ouvia Carvalho da Silva. Com uma voz impetuosa, mas surpreendentemente tranquila e sem hesitações, começou por congratular os presentes: «A força do futuro está aqui e aqui se comprova». Voltavam assim as palavras de ordem e os aplausos. Mas com eles chegava também uma fortuita e pontual enxurrada de insultos, todos eles saídos das bocas e megafones dos trabalhadores portuários de Lisboa, e dirigidos a Passos Coelho. Contudo, o Secretário Geral da CGTP não baixou os braços e voltou a recuperar as atenções. Mostrou-se como o reflexo de todos aqueles incontáveis milhares de trabalhadores descontentes: desiludido, mas esperançoso. «Estamos conscientes de que temos de fazer sacrifícios, mas esses sacrifícios devem de ir ao encontro da recuperação da Democracia em Portugal», dizia exultante. «Que ninguém duvide que esta greve vai fazer diferença a muitos portugueses, mas nem por isso deixámos hoje de poder contar com mais de três milhões de trabalhadores». Estavam lançados os primeiros números e a garantia de que esta Greve Geral teria suplantado a do ano passado. Os piquetes haviam assim feito o seu trabalho, ainda que Carvalho da Silva não conseguisse esquecer as inúmeras rixas que se tinham dado com a polícia durante a madrugada, chegando mesmo a avisar as forças de segurança de que não teriam «legitimidade para obstruir tal tipo de intervenção». Mas os manifestantes voltaram a fazer-se ouvir quando este prometeu, já perto do final, mais luta, menos flexibilidade e um aumento da «resistência dos trabalhadores perante o patronato e contra um Orçamento de Estado que não promete nem investimento, nem desenvolvimento». Despedindo-se, fitou a multidão, pigarreou e deixou bem assente que «a juventude não será obrigada a abdicar de um futuro de felicidade». As primeiras notas da Internacional começaram a ecoar pelos altifalantes e aí Carvalho da Silva aproveitou para relembrar Portugal: «Viva o 25 de Abril!». Num clima de serenidade e companheirismo, a carrinha da CGTP fez-se à estrada. Meia hora mais tarde começariam os confrontos entre polícias e manifestantes que acabariam por marcar este 24 de Novembro. Já a CGTP e a maioria dos grevistas haviam subido a Rua de São Bento.
Sem comentários:
Enviar um comentário