Joseph Raymond McCarthy (1908-1957) foi um simbólico e para sempre recordado político americano...ainda que não pelas melhores razões. Eleito para o Senado pelo Partido Republicano em 1946, McCarthy escreveu, em sintonia com as conservadoras franjas da direita política, um dos períodos mais conturbados e anti-democráticos de toda a História Americana: o “Macartismo”.
Fundado em 1919, no seguimento das novas expressões socialistas e pró-comunistas oriundas da União Soviética, o Partido Comunista dos Estados Unidos da América (CPUSA) representou, entre as décadas de ’30 e ’40, um pólo de transformação e dinâmica social, cultural e política. Durante cerca de 20, 25 anos, o CPUSA desafiou o status quo americano e preparou aquelas que seriam as bases para uma visão crítica e socialista da sociedade nos EUA. Fortalecido pelos seus fiéis membros, ainda que em escassos números, o Partido Comunista revia-se e encontrava-se no seu verdadeiro movimento, na organização intra e extra-partidária. Focando a segunda aqui em causa, era através da dedicação e da constante interacção entre simpatizantes e militantes que o Partido vivia e conseguia assim fomentar a luta e o diálogo acerca de temáticas constantemente esquecidas, como «a igualdade racial, o anti-fascismo e o sindicalismo». O movimento comunista crescia, em grande parte, devido à perfeita inclusão conseguida entre CPUSA e centenas de grupos do mais variado panorama social, empresarial e institucional, podendo destacar-se aqui «empresas de advogados, sindicatos, campos de férias e até grupos de canto».
Mas, mais tarde ou mais cedo, previa-se um caótico fim para a causa comunista no panorama norte-americano. Tanto os EUA como a URSS acabavam de sair de uma II Guerra Mundial com os seus orgulhos feridos: os EUA porque tinham visto a União Soviética dar o “ponto final” às forças de Hitler, erguendo assim uma espécie de estatuto simbólico de heróis mundiais, aquando da chegada a Berlim (num episódio habitualmente apelidado de “Corrida para Berlim”). Já a URSS tinha outras razões para não tolerar sequer a presença dos Estados Unidos numa negociação pós-Guerra, visto que o número de baixas soviéticas ultrapassava o aglomerado de mortos em combate de todos os aliados juntos, não falando, para além disso, da clara hegemonia que os Americanos pareciam agora querer ostentar, apoiados numa nova política de expansão em constante contacto com o exterior. Tal período, ainda que não se supusesse, seria assinalado como um dos tempos mais negros e assustadores de toda a História Mundial: a Guerra Fria.
Pode-se dizer que o “ponto final” nas relações entre capitalistas e comunistas surge aquando da rejeição, pelo Kremlin, do Plano Marshall - principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial - tendo ainda sido imposto aos “satélites” russos que não dialogassem sequer com os EUA. «Os historiadores datam desse momento o fim definitivo das ilusões ocidentais em relação a Estaline».
A partir desta mesma conjuntura, e relembrando ainda, a 5 de Março de 1946, as palavras finais e determinantes de Churchill sobre a “cortina de ferro”, era já perceptível que se adivinhasse uma completa viragem nas “afinidades” entre Americanos e Soviéticos. Erguem-se dois muros: um de betão e que separa, literalmente, os dois mundos; e um outro, um muro definido e construído ao longo dos anos pelo ódio entre dois sistemas que não se aceitam e que lutam constantemente pela anulação um do outro. «Em 1947 é criada a CIA. Harry Truman acusa os soviéticos de estarem a violar o espírito de Ialta nas zonas sob controlo do Exército Vermelho. É a “doutrina Truman”, o início da política de containment (contenção). A desconfiança aumenta de ambos os lados».
Toda esta contextualização histórica não surge aqui, nesta pequena dissertação sobre um manifesto caso de manipulação, por simples inclusão e referência de dados e/ou de casos factuais. É necessário que se compreenda o que rodeia o fenómeno do Macartismo e o que lhe permitiu tal irrisória expansão, pois, caso contrário, os esforços de Joseph McCarthy serão unicamente vistos e revistos como simples acessos de loucura...e tal não é histórica ou politicamente verdade.
«Os soviéticos também satanizaram o inimigo, só que não tinham de se preocupar em ganhar votos dos congressistas ou eleições presidenciais e legislativas. Os EUA, sim, e para isso necessitavam do anticomunismo apocalíptico, mesmo para os políticos que não estavam nada convencidos da sua retórica, ou que (...) estavam suficientemente dementes para se suicidarem, porque viam russos da janela do hospital». Hobsbawm tocou exactamente na “ferida”. O Macartismo não foi, como tantos historiadores gostam de o assim apelidar, uma espécie de fenómeno isolado, individual e irracional. Não foi um descargo de consciência por parte de McCarthy que, em certa amanhã, lá resolveu levantar-se da cama e achar que os comunistas eram uma praga a eliminar e nada mais do que isso. Não. A caça às bruxas – outro possível nome para o caso do Macartismo – teve uma justificação, teve um prefácio e teve também um epílogo, ainda que este último ainda hoje se escreva por entre as mais diferentes franjas da sociedade americana.
No final dos anos 40 e inícios dos anos 50 o senador republicano Joseph McCarthy iniciou uma perseguição sem precedentes contra «todos os suspeitos de inclinações esquerdistas» aterrorizando e fomentando o medo, o ódio e a desconfiança no seio político e intelectual americano. Existiam, alegava o senador, «mais de 200 espiões comunistas» no Departamento do Estado e demais organismos governamentais de Washington. Tal situação, num país que vivia intensamente os primeiros anos da Guerra Fria e que mantinha a constante necessidade de se sobrepor e sobrevalorizar em relação às restantes nações e hegemonias mundiais, era catastrófica e servia unicamente para descredibilizar um Governo que tinha de ser forte em todas as alturas – pois do outro lado do mundo estaria à espreita um certo “bicho papão” sedento de poder e pronto para aproveitar qualquer deslize por parte dos EUA. No entanto, parecia que McCarthy havia descoberto um enorme pote de ouro no final do arco-íris: segundo afirmava, para além dos comunistas infiltrados no Governo, existiriam outros tantos milhares espalhados pelo Pentágono, pelas universidades, por Hollywood, pela Broadway e pelos variados canais de televisão pública. Ao que parecia, a praga seria mesmo verdadeira e assumia contornos preocupantes e colossais. Sempre carregado com enormes listas cheias de nomes de supostos “traidores da pátria”, o senador começava mesmo a criar um ímpeto de perseguição tal, que muitos comunistas – verdadeiros – optaram por abandonar o país ou por “desaparecer” durante algum tempo.
Surge então aqui uma justificável pergunta: se existiam de facto comunistas na América, facto provado nem que seja pela simples existência do CPUSA, então fará sentido falar num caso de presumível manipulação? Sim, faz sentido. Porquê? Ora, porque, e como a história vem mais tarde a contar, McCarthy ganhou uma importância tal junto do partido republicano e da opinião pública que ainda hoje é relembrado e falado quando ao de cima vêm tópicos de conversa como seja o fundamentalismo e o controlo da população árabe e muçulmana dentro dos EUA – tudo em prol da Segurança Nacional, como tão bem é sabido. Acontece que na altura McCarthy não levantou e deu vida ao espectro do comunismo por puro prazer ou, como alguns dizem, por loucura genuína. Foi planeado e, acima de tudo, necessário.
A América enfrentava uma verdadeira guerra do terror – considerando, ainda para mais, que é nesta altura que a própria URSS anuncia possuir, por fim, a bomba nuclear – e quem estava no poder eram os Democratas, pelas mãos de Harry S. Truman, partido que, no seu todo, observava a Guerra Fria de um ponto de vista mais comedido e refreado. Tal não agradava aos restantes congressistas de direita, todos eles republicanos, que, numa ânsia de provar o valor dos EUA perante o mundo, apoiavam o conflito directo e constante junto das frentes de ataque e de “reprodução” soviéticas. Tal posição foi clara no conflito entre Coreia do Sul e Coreia do Norte, no qual esta última, em 1950, invadiu a primeira. Os republicanos defendiam que era necessário recorrer a medidas extremas de ocupação militar na Coreia do Sul de forma a criar uma barreira à Coreia do Norte, no seu todo. Tal teve de ser aceite por Truman, de forma a satisfazer a opinião pública, mas a situação descambou quando os mesmos republicanos exigiram, através do general MacArthur, comandante dos exércitos na Coreia, «uma tentativa para estender os limites da guerra (...) até à China». Nesta altura surge o verdadeiro desentendimento entre Democratas e Republicanos, marcado pela própria demissão de MacArthur, a mando do Presidente dos EUA. Como sair então por cima nesta disputa interna? Nenhum dos lados pode incorrer na idiotice de “matar”, numa conjuntura mundial como esta, o seu próprio Governo, ainda que este possa estar a cargo da força política da oposição. É portanto necessário adoptar medidas inteligentes, racionais e, de certa forma, dissimuladas: o chamado inside job. E é aqui que entra o dito caso da manipulação.
Joseph McCarthy foi, durante cerca de 4, 5 anos, o grande peão, o grande batedor – utilizando uma expressão de índole militar – para o Partido Republicano. Afogados sempre nas suas mágoas e nos seus ódios de estimação, realçando-se aqui a discriminação comunista, os Republicanos precisavam urgentemente de alguém que fosse dispensável, mas suficientemente importante e dedicado ao Partido de forma a causar tumulto e controvérsia com um caso que mexesse com a opinião e pensamento de todos os Americanos. McCarthy acabou por preencher todos os requisitos e, para felicidade do seu Partido, montou o palco, arranjou as luzes, soltou os foguetes e apanhou as canas – como diz o povo. Ainda que tenha acusado centenas de constituintes do Governo de serem comunistas, nunca chegou sequer a conseguir provar uma acusação...nem uma (!). Mas o poder por trás de todo este esquema manipulativo era tão forte que, ainda assim, toda a sociedade americana compreendia McCarthy e, quem outrora nem sequer o conhecia, começava agora a apoiá-lo e a segui-lo de bem perto. O Macartismo não foi apenas um golpe de sorte ou um fruto do destino. McCarthy sabia ao que ia: «O Macartismo resultou na medida em que a Administração de Truman precisava do apoio da opinião pública para levar avante a política externa em vigor e resultou, também, porque o Partido Republicano vasculhava por um “podre” interno». Compreende-se então desta forma que, ainda que nada tenha sido provado por parte do senador, toda a América tenha eclodido numa caça às bruxas. A ideia era proteger a Nação. Os próprios conservadores – e até os Liberais - o diziam: “Os comunistas são o inimigo”...e o inimigo não é coisa de se ter por casa, ainda que a velha máxima defenda que um bom estratega “mantém os seus amigos por perto e os seus inimigos mais perto ainda”.
Começa então nesta altura o desrespeito pela escolha e liberdade democrática na América, suportada pela mensagem de um senador que, embebido e louco nas suas próprias palavras, acusava centenas e centenas de trabalhadores honestos e sérios de serem espiões a cargo da URSS...e quando a acusação não “colava” optava apenas pelo uso do termo commie (“comuna”) para descrever uma preferência ideológica – interessante observar como quase 70 anos depois o termo ainda subsiste. O país passa a apoiar McCarthy que, com o dom e uso da palavra, traz a público listas e listas todas elas cheias de nomes de supostos “traidores da pátria”. Os jornais enchem-se de escândalos, as televisões passam a cortar certos programas e até as próprias empresas de marketing – estas em início de vida – passam, ao lado do Governo, a imprimir milhões de mensagens contra o Comunismo e contra os seus apoiantes. Hollywood vê dezenas e dezenas dos seus aclamados artistas, produtores e argumentistas abandonarem os ecrãs e o país – o próprio Charlie Chaplin foi acusado de “actividades anti-americanas”, sendo julgado como um suposto comunista e vendo-se mesmo obrigado a abandonar os EUA, perto de 1952 –, é criada uma Lista Negra de Hollywood que continha nomes de todos os trabalhadores que pudessem, por algum motivo, ser comunistas e, este que era um meio de expressão livre e sonhador até ali, passa agora a produzir, literalmente, filmes de propaganda anti-comunista, pró-capitalista e pró-americana – destacando-se, neste caso, filmes como My Son John, I Married a Communist e Evil Epidermic. O próprio FBI começa agora a participar da perseguição aos comunistas por todo o país, colocando nas mais diversas organizações de esquerda – algumas conotadas a ideias socialistas, outras nem por isso – agentes infiltrados e escutas. Até o director do FBI, J. Edgar Hoover, via a extinção do movimento comunista como essencial à vida democrática e liberal dos EUA. A “segregação” alastra-se também às universidades e, a prova disso, surge numa das mais contestadas citações de Hoover: «Muitos professores são reeducadores (...) Servem apenas para deitar abaixo o respeito pelas agências governamentais e pelos costumes e valores morais americanos. Criam assim dúvidas e desacreditam a existência do Sonho Americano». Tal tipo de discurso, ainda para mais vindo de quem vem, cria na população americana mais incertezas e amarguras e a única maneira de as anular parece surgir unicamente no despedimento e afastamento de vários professores universitários, de vários mestres e doutores.
Os Estados Unidos da América começam a sufocar na sua própria especulação – qual crise financeira de 1929, mas agora de valores morais – e McCarthy passa até a ser, imagine-se, um problema para si mesmo. Ainda que conquiste junto da opinião pública milhões e milhões de fãs, que sempre soube manipular com o uso do espectro comunista, Truman começa a fartar-se das investidas do senador, um pouco em semelhança com o então Presidente do Partido Republicano, Dwight D. Eisenhower, que nunca soube lidar com a presença de Joseph McCarthy e de todas as suas infâmias no seio de um partido conservador que, apesar de gostar de agitar as águas, é ainda assim discreto, racional e exemplar – ou assim o tenta ser.
O começo do fim parecia estar perto para McCarthy, mas nem por isso a sua influência junto do povo americano, e seus receios, era menor. As denúncias de supostos comunistas multiplicavam-se a olhos vistos e aquilo que seria apenas uma medida de segurança – o registo no Governo de todos aqueles que tivessem ligações com o CPUSA – era agora uma forma privilegiada de acabar com a vida profissional, económica e social de pessoas que optavam apenas por acreditar noutro “sermão”, digamos assim. Acabou-se o sentido de democracia que os EUA tanto tentavam vender ao mundo. Atingiu-se o ridículo chegando mesmo a impor-se a censura artística – destaco ainda a «remoção oficial do livro Robin Hood das bibliotecas escolares no Indiana». E, por fim, Joseph Raymond McCarthy, senador do Wisconsin, acabou por dar o último passo em falso: numa audiência televisiva, transmitida em directo e em canal público, acusou o próprio exército americano de albergar entre as suas hostes “comunas” que nunca ninguém havia detectado. Visivelmente revoltado, o conselheiro do exército, Joseph N. Welch levantou-se do seu lugar e, quase que em jeito de conclusão, disse aquilo que até os próprios Republicanos tinham já vontade de dizer: «Senador...já fez aqui tudo o que tinha a fazer. Não tem dignidade, meu caro? Depois de tanta coisa, será que perdeu todo o sentido de decência?»
Talvez tenha mesmo perdido, mas não se perdeu sem ajuda...o problema é que ele foi o único a ajudar e, a ele, ninguém o ajudou. Em Dezembro de 1974, e depois de alguns tempos a enfrentar o fantasma da bebida na sua vida, McCarthy foi mesmo destituído do seu cargo e mais tarde censurado pelo Senado. A morte aproximava-se e o ex-senador conheceu-a a 2 de Maio de 1957, no Bethesda Naval Hospital, onde havia sido, dias antes, internado após uma grave crise hepática: o álcool pôs fim à sua atribulada vida e, com apenas 48 anos, McCarthy deixava a sua mulher, Jean e filha adoptiva, Tierney.
No entanto, não foi somente isso que o proclamado anti-comunista deixava para trás: para a História ficou também o seu argumento manipulativo de que a segurança e a protecção da Nação teriam de ser prioritárias e que, para isso, seria necessário combater, controlar e eliminar a expressão comunista nos Estados Unidos da América...mas o que ficou para contar foram histórias de repressão, de censura, de perseguição e de desrespeito pela liberdade. No final, a tão orquestrada manipulação serviu apenas, e como nos conta a História, para encerrar um capítulo e abrir um outro novo: «Como resultado do furor anticomunista, Truman não conseguiu preservar a aliança eleitoral democrática. A eleição presidencial de 1952 deu origem a oito anos de domínio republicano».
O peão de que os Republicanos tanto precisavam tinha, por fim, vindo, visto, vencido...e partido.
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